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Revista on-line do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

No.15 – jan-mar / 06

sumário

  • Editorial
  • Cenários
  • Caminhos da humanidade...
  • Comunicações
  • RELATO ACADÊMICO-PROFISSIONALIZANTE
  • Informe publicitário
  • Expediente

DATA VENIA é a revista eletrônica do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. De periodicidade trimestral, seu conteúdo não necessariamente coincidirá com o pensamento da FEBASP, mantenedora desta Instituição, mas será de inteira responsabilidade dos autores que subscreverão suas respectivas matérias.
As colunas serão alimentadas pelos professores do Curso, contando-se também com a colaboração do alunado, da Comunidade Febaspiana como um todo, e apenas marginalmente, ocorrerá a participação de colaboradores externos à Instituição.

Além de divulgar as notícias relacionadas ao Curso, as matérias publicadas reportar-se-ão às sociedades nacional e internacional, através de textos inéditos e não muito extensos, acolhendo-se também material redigido nos idiomas inglês e espanhol.

O conteúdo divulgado em DATA VENIA pautar-se-á pelo balizamento ético e pluralismo das idéias, as quais autoriza-se sua reprodução por quaisquer meios desde que se mencione suas respectivas fontes.

Editorial

O Retorno da Religião no Brasil e no Mundo

Nos últimos séculos o que se viu no ocidente foi um esforço no sentido da separação das esferas religiosa e política. Uma vez esse processo realizado, o Estado Moderno teria como característica intrínseca a laicidade, deixando a religião às preferências privadas. Isso não significava que as instituições religiosas deixassem de ter influência sobre os caminhos dos Estados, mas que os líderes políticos não mais precisariam responder automaticamente às autoridades espirituais por suas ações.

De modo genérico, essa laicização ocorrida no ocidente refletiu uma lenta retirada dos códigos morais do exercício da política. Houve um processo de secularização e racionalização da vida em sociedade, transfigurado na substituição da religião pelos desígnios da ciência em ascensão e por uma política que superava os dogmatismos. Os homens do espírito foram suplantados pelos homens iluministas na condução das atividades políticas e científicas, fazendo com que a dessacralização tomasse conta parcialmente das atividades sociais e inteiramente das atividades estatais.

Esse lento processo fez com que a autoridade das Escrituras fosse demolida pelo advento do evolucionismo e o geocentrismo pelo heliocentrismo. As teorias de Copérnico e Darwin explicavam melhor o mundo dos homens e da natureza do que as palavras de João e Paulo. Às teorias dos primeiros foram reservados todos os esforços científicos da razão, às palavras do segundo foram asseguradas os destinos do espírito.

Houve, portanto, um movimento de duas vias contra a hegemonia dos preceitos religiosos. De um lado, a ciência questionava a autoridade e capacidade da religião em entender o homem e a natureza a sua volta e, de outro, os homens da política pressionavam pela exclusão dos interesses e dogmas religiosos do exercício do bem público. Esse movimento duplo convencionou-se chamar de modernização.

É importante frisar, entretanto, que o exercício da política sempre careceu de conteúdo moral e ético. Por mais que se buscasse alcançar o gélido cálculo egoísta que o realismo político pregava, as decisões daqueles responsáveis pela esfera pública refletiam certa noção de mundo, a qual invariavelmente tinha como base ora a religião ora a ideologia. Desse modo, a política sempre pareceu ser uma estrutura cujo conteúdo programático precisava ser preenchido pelo código moral em vigor, seja os desígnios do espírito, ou seja as cartilhas das razão.

Com o passar do tempo, a esfera política ficou totalmente sujeita a um processo de preenchimento de seu código moral pela ideologia política, que terminou por determinar até mesmo o futuro da ciência. Com efeito, ao longo dos séculos XIX e XX a religião foi sendo paulatinamente substituída pelas ideologias políticas que ascendiam como resultado desse movimento de separação de Estado e Igreja.

Em qualquer uma de suas versões – comunismo, socialismo, liberalismo e fascismo – as ideologias provaram ser ainda mais poderosas no controle da conduta humana, tanto por causa de um código moral excludente – uma vez liberal nunca comunista – quanto pela força material que o momento histórico propiciava: a conjunção da força das ideologias e do desenvolvimento material da ciência.

No entanto, a ciência que salvava vidas e a ideologia que pregava o progresso lançaram duas bombas atômicas no Japão. A ciência estava a serviço das ideologias e se mostrou mortal e assustadora. Foi exatamente quando essa subordinação da ciência às ideologias provou ser altamente destrutiva, ameaçando até mesmo o futuro da humanidade, que as instituições religiosas enxergaram o momento de voltar a influenciar a política e, quem sabe, controlar a ciência. O fim do embate ideológico que sucedeu a queda do Muro de Berlim acentuou ainda mais a possibilidade desse retorno.

Nesse sentido, eventos recentes parecem desenhar um cenário em que os dogmatismos religiosos parecem voltar à baila. O terrorismo fundamentalista islâmico, o fundamentalismo judaico que dá sustentação ao governo de Israel, o fundamentalismo cristão em ascensão nos EUA e Brasil, o questionamento do caráter científico do evolucionismo por certos círculos religiosos, os ataques virulentos à psicanálise, a radicalização moral contra o casamento entre homossexuais, a polêmica em torno da utilização das células-tronco e até mesmo as críticas ao heliocentrismo que ocorrem em alguns grupos pretensamente científicos nos EUA, delineiam um horizonte em que as questões morais e religiosas estão tomando conta das preocupações humanas, notadamente no ocidente, berço da secularização.

No Brasil esse movimento não poderia ser diferente. Pelo menos desde a fundação da República sempre houve aqui a possibilidade da consciência religiosa se tornar dominante, mas isso era sempre mais ou menos questionado por uma confiança inabalável na separação entre Estado e Igreja.

Contudo, a recente ascensão política de diversos grupos religiosos radicais no país já começa a ter seus efeitos no direcionamento das políticas públicas de um Estado constitucionalmente laico. Tentativas recentes da governadora do Rio de Janeiro em aprovar mudanças no conteúdo do ensino público fluminense mostram que essa separação começa a ser novamente posta em xeque. A governadora e sua cúpula religiosa pretendiam proibir o ensino do evolucionismo nas escolas públicas do Estado e substituí-lo pela filosofia do criacionismo, versão bíblica da criação do homem. Além disso, o governo do Rio tem a intenção de transferir verbas públicas a entidades religiosas que se vêem inseridas em uma missão divina de “curar” o homossexualismo, como se tal conduta pessoal fosse alguma doença. Essas duas iniciativas do atual governo do Rio refletem no nível local o processo histórico mais amplo pelo qual o ocidente vem passando: o retorno das religiões.

Ora, a religião é fruto da paixão e da fé. Dessa maneira, nunca primou pelo equilíbrio das decisões, uma vez que coloca as questões morais à frente do diálogo, base da política. É inegável a força interior daqueles que crêem e a retidão de suas ações, as quais têm por base um código moral que não aceita deslizes ou fraquezas. No entanto, transportar esse código ético e moral concebido de forma unilateral para a esfera pública, local por excelência do multilateralismo e da concertação, foge aos princípios básicos da política tal qual conhecida hoje.

O exercício da boa política é regido pela acomodação dos interesses e percepções na busca pelo consenso. Aquele que estabelece um norte de ação único, não-negociável e dogmático, como é o caso dos radicais religiosos, está fora do exercício da política. Como se sabe, códigos morais não se discutem, se assumem. A política, pelo contrário, é a arte da discussão e da ausência de preceitos morais excludentes. Quando os dogmas religiosos são reintroduzidos na esfera publica secular, a política perde sua capacidade de gerar consenso, caminhando para o dissenso e a ruptura.

Desse modo, a tentativa de reconquista da esfera política pela religião, reflexo da morte das ideologias, pode recolocar a ciência a mercê das visões e interesses religiosos. O próprio embate em torno da utilização das células-tronco reflete esse movimento da religião rumo aos controles políticos da ciência. Para os religiosos não é admissível administrar a vida embrionária a fim de salvar outras vidas condenadas. Somente o divino pode fazer isso. À ciência cabe esperar.

A ciência, por sua vez, sempre foi controlada por códigos morais e éticos. Porém esses códigos sempre foram mediados pela política. E é importante que assim continue. Mas há uma grande diferença entre um controle exercido pelo dogma moral negociado da política e o código unilateral da religião. O primeiro é aberto ao diálogo e denota flexibilidade. O segundo é autoritário e exclusivista, abrindo possibilidades da cristalização das posições e atitudes científicas. A ciência somente consegue se desenvolver em ambientes tolerantes. Do contrário morre sua atitude constante de revolucionar a vida.

É impreterível, portanto, que o esvaziamento ideológico pelo qual passa o Brasil e o mundo não resulte em um reavivamento das religiões dentro da esfera política. É fundamental para política brasileira que a religião continue a ser uma atitude eminentemente privada e que as decisões políticas reflitam cada vez menos dogmas religiosos. No entanto, o paulatino aumento dos congressistas eleitos pelo voto metafísico tem demonstrado que o Brasil acompanha de perto esse retorno da religião em escala global.

O que se defende aqui, portanto, não é somente a supressão dessas leis no Estado do Rio de Janeiro, as quais não foram aprovadas em sua totalidade. Isso é muito pouco. O que se defende aqui é a substituição total das autoridades públicas, e por isso políticas, que sejam unicamente sustentadas por qualquer movimento religioso. Em todos os lados o que se vê é o retorno da religião. A política brasileira deve ficar fora desse processo.

Feliciano de Sá Guimarães
Doutorando em Ciência Política e Mestre em Relações Internacionais. É docente no curso de Relações Internacionais do Unicentro Belas Artes.

Cenários

*Política Externa Brasileira: ideologia,
pragmatismo e o interesse Nacional

Por Luiz Fernando Silva Pinto

A política externa brasileira sempre foi caracterizada por sua habilidade em promover o interesse nacional. Durante sucessivas fases históricas, coube aos seus formuladores identificar os interesses da nação e promovê-los em um mundo em constante mutação.

Além da conjuntura internacional, o interesse nacional também passou por diferentes transformações. Ao longo dessas mudanças conjunturais e transformações do interesse nacional construiu-se, de maneira penosa, passando por momentos específicos de desvios, o paradigma de ação da nossa política externa.

O objetivo deste capítulo é traçar sinteticamente um histórico da política externa brasileira, enfatizando os momentos de inflexão que caracterizam tanto a construção do paradigma de ação como o padrão dos desvios que ele apresenta. Neste sentido, alguns contextos específicos serão recortados e destacados.

1.1 – Pragmatismo versus Alinhamento Automático
ou Ideológico.

Nenhum período pode ser mais ilustrativo ao buscarmos a essência da política externa brasileira, tal como o padrão de seus desvios, do que o período em que José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, ocupou a chefia do Itamaraty.

Internamente, o contexto no qual Rio Branco tornou-se Ministro das Relações Exteriores era bastante calmo. A República já havia sido consolidada, tal como a disputa pela hegemonia política já havia sido vencida pelos cafeicultores paulistas, desbancando os militares e os setores que representavam a classe média (mais concentrados no Rio de Janeiro). A vitória dos cafeicultores paulistas fez com que o plano de modernização e industrialização do país, que os Governos dos Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto tentaram implantar, fosse abandonado. Os esforços do Estado, em termos econômicos, estariam voltados unicamente ao café.

Isso, na perspectiva dos formuladores da política externa, significava que, em termos econômicos, o único objetivo era a promoção do café no exterior. Tarefa simples, o que fazia com que os diplomatas brasileiros se preocupassem mais com os temas políticos.

Em termos políticos, os interesses nacionais do período eram basicamente buscar a consolidação jurídica definitiva de nossas fronteiras, defendê-las, ampliar o prestígio internacional do país e buscar a supremacia na América do Sul.

Tais objetivos deveriam ser promovidos em um contexto internacional totalmente adverso. Durante este período, os Estados europeus estavam no auge de suas disputas interimperialistas, buscando colonizar e dominar todas as áreas do globo (1). Além disso, no âmbito hemisférico, os EUA, sob a presidência de Theodore Roosevelt, vinham adotando uma política externa extremamente agressiva. Foi quando o Corolário Roosevelt foi somado à Doutrina Monroe, o lema do corolário, speak softly and carry a big stick, já diz muito da natureza dessa política. Como se não bastasse, devido ao extraordinário crescimento argentino a partir de 1880, a possibilidade da constituição de um bloco Hispano-Americano hostil ao país, sob a liderança Argentina, era iminente.

Foi nesse contexto, de extrema adversidade, que o Barão do Rio Branco estabeleceu um princípio de ação que se tornou parte importante do acervo diplomático permanente do Estado Brasileiro, o pragmatismo.

Pragmatismo significa, acima de tudo, buscar única e exclusivamente os interesses nacionais, sem balizar a ação por princípios abstratos ou ideológicos.

Foi com base nesse princípio, somado às excelentes e realistas análises acerca do Sistema Internacional, e do posicionamento do Brasil neste, que o Barão obteve seu extraordinário sucesso.

Para a realização de seus objetivos o Barão opta por alinhar-se aos Estados Unidos.

Na perspectiva do Barão, a aproximação com os Estados Unidos teria o papel de eliminar possibilidades de intervenção externa no País, ao mesmo tempo em que reforçava a capacidade negociadora do Brasil na solução das questões fronteiriças. Serviria, dessa forma, aos interesses da nação, sem necessariamente significar uma redução da soberania.

Era uma aliança estratégica fundamentada nos objetivos do momento, seja de consolidação das fronteiras nacionais, seja de diminuição da pressão hegemônica da potência líder do sistema internacional, a Inglaterra.(2)

Logo, percebe-se que a aliança com os EUA era um recurso de poder simbólico, um elemento funcional para a busca do interesse nacional em um contexto internacional adverso.

É muito importante distinguir o alinhamento pragmático adotado pelo Barão do alinhamento automático ou ideológico que será analisado mais à frente. A maior prova de que Rio Branco via o alinhamento com os EUA de um modo pragmático, como um elemento funcional ao interesse nacional, está na atuação brasileira durante a II Conferência de Haia, em 1907. Aliás, esta Conferência marcaria um dos pontos mais altos da diplomacia brasileira em toda sua história.

O principal tema da II Conferência de Haia foi a tentativa de criação de um Tribunal Internacional de Arbitragem. O problema se deu quando da discussão acerca da composição do Tribunal. As grandes potências européias e os Estados Unidos defendiam a idéia de que deveriam ser feitas distinções entre os Estados soberanos, fazendo com que apenas as grandes potências ocupassem um lugar permanente no Tribunal. O Brasil, tendo Rui Barbosa como chefe da delegação em Haia, sob as ordens do Barão no Rio de Janeiro, defendeu a tese da igualdade dos Estados livres e soberanos. A corajosa defesa do Brasil teve uma repercussão estrondosa nos salões de Haia, as grandes potências sentiram-se ultrajadas, enquanto a maioria dos países da América Latina passou a defender a tese brasileira.

Rui tornou-se em Haia um líder de numerosos países, e isso determinou a sua vitória, fazendo malograr o projeto das grandes potências (3).

Vale notar que no meio das negociações foi oferecido ao Brasil status equivalente ao das grandes potências na Corte permanente do Tribunal, o que supunha a nossa desistência da tese de igualdade soberana dos Estados, oferta que refutamos em prol do ideal de justiça nas relações internacionais. Aliás, tal fato pode ser tido como o primeiro embate significativo Norte-Sul a ocorrer em uma conferência multilateral, fato que só viria a se tornar corriqueiro a partir da década de 1960.

O pragmatismo do Barão fez com que sua política se tornasse conhecida e comentada em todo mundo. Além da simbólica vitória da tese brasileira em Haia, Rio Branco conseguiu, com extrema habilidade, consolidar juridicamente as fronteiras nacionais, equacionando o primeiro problema de uma agenda de política externa, o de estabelecer a diferença entre o “interno”(nacional) e o “externo”(mundo). Outro ato importante da política externa do Barão foi seu empenho no trabalho de aproximar os países da América Latina e extinguir desconfianças existentes entre eles. Nesse sentido, destaca-se a idéia do Pacto A.B.C., que deveria caracterizar uma política de cordial inteligência entre a Argentina, o Brasil e o Chile. Tal proposta é importante pois representa a primeira tentativa mais abrangente vinda do Brasil de política cooperativa com os países da América do Sul. A América do Sul tornou-se a principal preocupação de Rio Branco nos seus últimos dias de vida. Ele disse a um amigo:

Já construí o mapa do Brasil. Agora o meu programa é o de contribuir para a união e a amizade entre os países sul-americanos. Uma das colunas dessa obra deverá ser o A.B.C. (4).

Após resolver os problemas fronteiriços, o Barão entendia que o peso norte-americano na política externa brasileira deveria ser contrabalançado por uma ativa diplomacia cooperativa com os países da América do Sul.

Apesar do sucesso alcançado pela diplomacia de Rio Branco, havia quem discordasse de algumas de suas políticas. Nesse sentido, para os fins deste trabalho, destacam-se as idéias de Joaquim Nabuco (5). Os princípios de ação que ele defendia representam o oposto do pragmatismo do Barão. Tais princípios privilegiam fatores de ordem normativa e/ou filosófica na justificativa de uma aliança. A aliança é considerada como um fim em si mesma. Esse princípio é o que eu chamarei nesse trabalho de alinhamento automático ou ideológico. Tal princípio, apesar de não ser hegemônico dentro das formulações do Itamaraty, foi utilizado em períodos de desvios dos padrões normais da política externa brasileira.

Nabuco concebia uma realidade internacional dominada pelas grandes potências e pela existência de uma hierarquia de nações, derivada do poderio inerente a cada uma, o que levava à conclusão de que, para um país destituído de poder como o Brasil, a melhor defesa da soberania nacional seria justamente a preservação dessa hierarquia, simultaneamente à busca de alianças com a potência hegemônica (6).

Tal citação demonstra claramente o caráter conservador desse pensamento, pois defende o status quo, o que de maneira nenhuma poderia representar o interesse brasileiro. Como um país de características continentais que ocupa uma posição periférica no Sistema Internacional, a busca de nossos interesses faz com que tenhamos um papel revolucionário na ordem mundial.

Logo, a idéia é de que o alinhamento automático subordina o interesse nacional, fazendo com que fiquemos subservientes aos países centrais.

Esse embate, pragmatismo versus alinhamento automático ou ideológico, persiste até hoje na formulação e implementação da política externa brasileira, com clara hegemonia do pragmatismo, a despeito de alguns hiatos e desvios que fizeram com que momentaneamente nos alinhássemos automaticamente à potência hegemônica.

Com a morte do Barão, em 1912, a política externa brasileira passa a inclinar-se a adotar o princípio do alinhamento automático com os Estados Unidos. Tal padrão só mudaria a partir de 1930, quando bruscas mudanças nos planos interno e externo transformariam o interesse nacional.

1.2 – Modernização, industrialização e os novos objetivos da política externa brasileira.

A partir da década de 1920, a economia brasileira, agroexportadora baseada no café, passa a entrar em colapso, levando com ela o sistema político de dominação baseado nessa estrutura.

Tal colapso se deve a crescente urbanização que vinha ocorrendo no Brasil. As classes médias urbanas, extremamente prejudicadas pela política econômica de sustentação à economia cafeeira, passam a lutar por seus interesses. Isso, somado a crise do capitalismo mundial, iniciada em 1929, com o crash da bolsa de Nova Iorque, fez com que as situações política e econômica brasileiras ficassem insustentáveis.

Com a crise econômica mundial, as compras de café diminuíram muito, fazendo com que houvesse o estrangulamento externo da economia brasileira. Logo, ocorreu a queda da renda das exportações, o que fez com que ficasse impossível importar os produtos industrializados que importávamos, gerando uma crise de abastecimento no Brasil. Tais fatos fizeram com que as forças sociais ficassem ainda mais exaltadas.

A crise fez com que as elites dirigentes regionais brigassem entre si, destruindo o esquema de alianças políticas que havia sustentado a República Velha. Nesse contexto, nas eleições de 1930, com a fraude eleitoral que garantiu a vitória do candidato que representava os interesses da elite agroexportadora paulista, e a subseqüente revolta das elites nordestinas, mineiras e gaúchas, ocorreu uma ruptura institucional que derrubaria a República Velha. A Aliança Liberal, coalizão das elites nordestinas, mineiras e gaúchas, toma o poder. Getúlio Vargas é conduzido à presidência. Getúlio e sua coalizão, com amplo apoio das classes médias urbanas, têm um projeto modernizador para o Brasil. A partir daí o grande objetivo da nação será a busca do desenvolvimento econômico e social.

Esse momento é muito importante para compreendermos a evolução da política externa brasileira. A partir daí o principal objetivo de nossa política externa será auxiliar, no cumprimento de suas funções, a busca do desenvolvimento nacional. Desenvolvimento, em grande medida, principalmente para um país agrário e atrasado, significava industrialização. Esse era o grande objetivo do Governo Vargas.

A política externa foi de grande valia para que Getúlio alcançasse alguns objetivos de seu projeto governamental. Utilizando-se do mesmo princípio do Barão do Rio Branco, o pragmatismo, Getúlio, aproveitando-se de um contexto internacional extremamente favorável, com a disputa hegemônica mundial entre os Estados Unidos e a Alemanha, consegue aumentar enormemente o poder de barganha brasileiro.

Com o poder de barganha aumentado, dado a posição estratégica do Brasil, principalmente após os avanços das tropas alemãs comandadas por Rommel no norte da África, Getúlio consegue negociar um excelente acordo que alinharia o Brasil aos Aliados e aos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Em troca de nosso esforço de guerra receberíamos, entre outras coisas (7), dos EUA, empréstimos para a implementação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Vale lembrar que para se alcançar a industrialização o domínio da siderurgia era um fator fundamental.

O alinhamento adotado por Getúlio, diferentemente do automático ou ideológico, era pragmático e funcional, foi negociado, aos moldes do alinhamento adotado pelo Barão no início do século. Nesse momento, somou-se o pragmatismo, já tradicional da política externa brasileira, com a busca do novo interesse nacional, o desenvolvimento econômico e social.

Se ao Barão do Rio Branco coube utilizar o pragmatismo para a consolidação do espaço nacional, a partir de Getúlio caberia utilizá-lo para desenvolver este espaço.

1.3 – A Guerra Fria, Hegemonia norte-americana, “entreguismo” e nacionalismo.

Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, em 1945, boa parte do que hoje conhecemos como mundo desenvolvido estava em ruínas. As antigas potências européias estavam quase que totalmente destruídas.

Em contraposição a isso, os Estados Unidos apresentavam um poder político, econômico e militar sem precedentes.

Ao mesmo tempo, ao leste, o outro grande vencedor da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética, buscava a reconstrução e o desenvolvimento seguindo um modelo alternativo ao capitalismo, o socialismo.

Tal contexto, com a estimulação das elites dirigentes nos dois países (EUA e URSS), gerou um embate que ficou conhecido como Guerra Fria.

Os anos que vão de 1945 até 1963 constituíram o período mais “quente” da Guerra Fria, a chamada “primeira guerra fria” (8). Durante esse período a margem de manobra para os países em desenvolvimento era mínima. As superpotências (EUA e URSS) haviam dividido o mundo em duas áreas de influência, e os países inseridos nessas áreas deveriam subordinar seus interesses a política de segurança de uma delas.

Aproveitando o ensejo, o Governo Brasileiro do Presidente Dutra, sem tentar buscar alguma margem de manobra para uma posição política mais autônoma, cortou relações com a União Soviética (1947) e alinhou-se automaticamente aos Estados Unidos, adotando o princípio das fronteiras ideológicas na condução da política exterior.

Além disso, no início de seu governo, o projeto nacional-desenvolvimentista foi deixado de lado. Adotou-se uma plataforma liberal. O ministro da Fazenda de Dutra, Corrêa e Castro, chega inclusive a afirmar que o destino do Brasil seria a exportação de produtos primários.

Apesar disso, a partir de 1947, com a adoção de políticas de substituição de importações, o governo Dutra retoma o projeto nacional-desenvolvimentista. Nesse momento, em termos de política externa, passa a haver uma disjunção entre os temas políticos e os econômicos. Enquanto nos políticos o Brasil adota uma posição de alinhamento aos EUA, nos econômicos, para garantir o projeto governamental, foram adotados posicionamentos independentes. Uma prova da postura independente do Brasil nas questões econômicas internacionais foi seu posicionamento na Reunião de Havana sobre comércio e emprego, onde 56 países examinaram a carta constitutiva da Organização Internacional do Comércio (OIT).

“O Brasil, na companhia da Austrália, da Índia e de diversos países em desenvolvimento, defendeu o direito de discriminar produtos ao aplicar cotas de importação para promover a industrialização, opôs-se aos regimes tarifários preferenciais e aos subsídios à exportação. Defendeu a tributação interna de produtos importados, a obrigatoriedade de inclusão de componentes nacionais a produtos importados e a possibilidade de imposição de cotas em caso de problemas de balanço de pagamentos”.(9)

Com as eleições de 1950, Vargas volta ao poder e dá continuidade ao projeto de desenvolvimento nacional autônomo, ainda que sob forte oposição interna e pressão internacional.

Não cabe dúvida que a rigidez político-ideológica que orientava a práxis política da potência hegemônica norte-americana restringia por si a margem de autonomia da atuação externa e de defesa dos interesses próprios de países como o Brasil (10).

Vargas ainda acreditava que podia conseguir apoio dos Estados Unidos para o projeto desenvolvimentista do Brasil. No entanto, para isso, ele sabia que precisaria de uma certa margem de manobra que lhe garantisse poder de barganha. A verdade é que nesse contexto de “primeira guerra fria” a única maneira de conseguir alguma margem de manobra era buscar uma maior aproximação com a URSS, contrabalanceando a influência norte-americana. Na medida em que o Brasil nem mesmo mantinha relações diplomáticas com Moscou, o peso dos Estados Unidos na política brasileira tornava-se muito grande, impossibilitando a margem de manobra desejada por Vargas.

Além disso, foi nesse período que os EUA iniciaram uma política imperialista ofensiva para América Latina.

“As Transnacionais – em criação – começaram a buscar novos campos de inversão rentável, particularmente nos países com capacidade de absorver tecnologia intermediária, já tornada obsoleta em seus países de origem. Entre os países com essa capacidade de absorção, estava precisamente o Brasil. O- correu, então, importante ofensiva imperialista em direção a esses países, tendo as grandes corporações estadunidenses como ponta-de-lança”(11)

A enorme influência norte-americana ia de encontro direto ao projeto de Vargas.

“O princípio da política externa dos Estados Unidos para América Latina desde o pós-guerra foi o de priorizar a promoção do livre-fluxo dos seus interesses privados”.(12)

Tal contexto fez com que alguns analistas caracterizassem a política externa do segundo governo Vargas com o slogan de pragmatismo impossível (13), representando a idéia de que o cenário internacional impossibilitava a adoção de medidas mais autônomas. Como demonstrado acima, não concordo com a interpretação desses analistas. O cenário internacional só impossibilitou que Vargas tomasse medidas mais autônomas porque ele se recusou a aproximar-se da União Soviética. A melhor prova de que isso já era possível foi a emergência do Movimento dos Países Não Alinhados (MNA), liderado por governantes nacionalistas como Tito (Iuguslávia), Sukarno (Indonésia), Nasser (Egito) e Nehru (Índia), na Conferência de Bandung em 1955. Apesar dessa conferência só ter ocorrido após a morte de Vargas, o movimento já vinha se estruturando desde 1952. A idéia dos países do MNA era conseguir autonomia ao manter relações simultâneas com as duas superpotências rivais, garantindo uma enorme margem de manobra em suas negociações internacionais.

Mesmo assim, não era apenas o contexto internacional que pressionava Vargas, internamente, passou a haver uma crescente polarização entre “entreguistas”(liberais) e nacionalistas. Tal polarização fora resultado direto do aumento da pressão imperialista exercido pelos EUA. Aliás, estes desempenhariam papel importante nesse embate interno. Nesse sentido, foi de especial importância a doutrinação de militares brasileiros aos cânones da Doutrina de Contra-Insurgência. Tal doutrinação ocorria nas academias de West Point e, a partir de 1961, na School of the Americas (apelidada de Escola dos ditadores), localizada na Zona do Canal do Panamá. A Doutrina de Contra-Insurgência consistia na idéia de que o mundo estava dividido em dois blocos, de um lado, o bloco Ocidental Cristão (ao qual pertenciam os países capitalistas), de outro, o Comunista (ao qual pertenciam os países socialistas). Nesse sentido, caberia às forças armadas do país líder do bloco ocidental, os EUA, garantir a defesa do bloco contra um ataque externo, enquanto caberia às forças armadas dos países da América Latina, supostamente frágeis à subversão comunista no interior de suas fronteiras, garantir que tais forças internas se mantivessem afastadas do poder. Isso incluía, já que segundo a teoria os movimentos subversivos aproveitavam-se das instituições e das garantias constitucionais do Estado de Direito para semear a discórdia e difundir programas que insuflavam a luta armada, se necessário, a adoção de regimes de exceção, ou seja, a implantação de regimes ditatoriais. A difusão dessas idéias nos meios militares acarretou enormes pressões aos governos latino-americanos que adotavam políticas nacionalistas.

No Brasil, os entreguistas eram representados principalmente pela UDN (União Democrática Nacional), partido de oposição a Vargas, liderado por Carlos Lacerda. Eles defendiam a não intervenção do Estado na economia, além de sua abertura total, irrestrita e sem controle ao capital estrangeiro. Em outras palavras, defendiam um “modelo” econômico baseado na dependência externa. Em termos políticos, pautavam uma política externa baseada no princípio de fronteiras ideológicas, apoiando incondicionalmente os EUA. Ou seja, defendiam o alinhamento automático.

Os nacionalistas defendiam a intervenção do Estado na economia e davam preferência ao capital nacional. Tinham como objetivo básico a industrialização autônoma. Em termos políticos, defendiam uma política externa pautada pelo pragmatismo na busca do interesse nacional, aos moldes do paradigma consolidado por Rio Branco.

Esse embate interno, somado às pressões externas, fez com que Vargas adotasse algumas políticas contraditórias, ora nacionalistas, como no caso da criação da Petrobrás, no decreto que limitava remessas de lucros de empresas estrangeiras e na proposta de criação da Eletrobrás, ora “entreguistas”, como no caso da Comissão Mista Brasil – EUA e no Acordo Militar com os Estados Unidos, em 1952.

O recrudescimento da crise política levou Vargas ao suicídio, em 1954, visando evitar o golpe militar engendrado pelos “entreguistas”.

Com a morte de Vargas, toma posse o vice-presidente, Café Filho. Este, ciente das pressões que levaram Vargas ao suicídio, adota uma política que favoreceu aos interesses dos liberais. É por isso que chama o arquientreguista Eugênio Gudin para a pasta da Fazenda. Este, de imediato, revoga os limites para as remessas de lucros das empresas estrangeiras. Além disso, foi obra dele a Instrução 113 do Sumoc (Superintendência da Moeda e do crédito), que permitia o ingresso de capital estrangeiro direto na forma de máquinas, veículos e equipamentos, sem cobertura cambial, ou seja, sem necessidade de aquisição de dólares correspondentes.

1.4 – Kubitschek, o capitalismo dependente e
a Operação Pan-Americana

Juscelino foi eleito, em 1955, graças a um audacioso plano de modernização e desenvolvimento. Era o plano de Metas. Com o slogan de “50 anos em 5” JK aproveitou o espírito desenvolvimentista que havia acometido a nação.

O Plano de Metas foi o primeiro plano sistematizado de industrialização do Brasil. Seus objetivos principais eram desenvolver a capacidade energética do país, a de transportes, e garantir a produção de alimentos. Apesar da essência do plano ser constituída basicamente das idéias nacionalistas já existentes no período de Vargas, JK adota algumas mudanças importantes, principalmente devido à pressão da UDN e dos EUA, que pressionavam o Brasil para a adoção de uma política econômica que garantisse maior abertura aos investimentos privados estrangeiros. Para realizar tais mudanças JK utiliza a Instrução 113.

Kubitschek soube jogar bem tanto com os nacionalistas como com os entreguistas, sua política econômica acomodava os interesses dos dois grupos. De um lado, havia o fortalecimento do Estado, garantido pelos maciços investimentos deste que visavam lograr as “metas” econômicas. Do outro, houve uma enorme inversão de investimentos estrangeiros, principalmente na forma de máquinas e equipamentos, devido à adoção da Instrução 113.

Nesse sentido, em termos de política externa, num primeiro momento, JK adota o alinhamento automático com relação a Washington. A prioridade era buscar investimento nos países desenvolvidos.

O plano de JK garante um acelerado crescimento econômico para o Brasil mas, com a adoção da instrução 113, o perfil econômico do país começa a mudar. O modelo de industrialização econômica independente, ainda hegemônico, começa a perder lugar para o modelo dependente, o que acirra ainda mais a polarização entre entreguistas e nacionalistas. Além disso, a partir de 1958, devido às distorções criadas pelo capital estrangeiro, a crescente inflação e a dívida externa passam a ameaçar o crescimento econômico.

Ciente de que sua sustentação interna dependia da manutenção do crescimento econômico, JK insiste em uma política econômica expansiva, se negando a aceitar empréstimos do FMI, que exigia, em contrapartida, a adoção de uma política econômica extremamente recessiva. O Brasil chegou inclusive a romper relações com o FMI em 1959.

No plano externo, JK se dá conta de que o Brasil deveria se desalinhar de Washington, buscando uma política de barganha. É justamente essa política de barganha que a Operação Pan-Americana vai representar.

A mudança no contexto internacional foi fundamental para que a margem de manobra brasileira aumentasse com relação aos EUA. Nesse sentido, a mudança de estratégia da política externa soviética foi de fundamental importância. Procurando obter a adesão ou ao menos a neutralidade dos países subdesenvolvidos, a URSS passou a apoiar algumas de suas reivindicações sem interferir em seus negócios internos, se dispondo a estabelecer com esses países proveitosas relações comerciais, proporcionando, inclusive, assistência técnica e financeira.

JK percebeu a importância estratégica que a América Latina podia representar dentro da política externa dos EUA, já que a região passou a ser alvo da política externa soviética, e aproveitou-se da situação para promover uma aproximação comercial com os países socialistas.

“Esta atitude visa tanto encontrar uma alternativa aos excedentes primários não exportados e a obtenção de tecnologias e produtos industriais, como exercer uma barganha mais efetiva face aos Estados Unidos, numa esfera particularmente sensível para os interesses deste país”(14).

A OPA (Operação Pan-Americana), lançada nesse contexto, aproveita-se da situação para alertar os EUA de que caso não haja auxílio para que os países do Hemisfério alcancem o desenvolvimento, estes teriam que se aproximar dos países socialistas na busca de novos mercados. A idéia era fazer com que os Estados Unidos adotassem uma espécie de Plano Marshall para a América Latina.

A despeito dos poucos resultados concretos da OPA, ela representou um momento de transição na política externa brasileira, um momento em que o Brasil passa a se dar conta de que é possível buscar autonomia em um contexto de Guerra Fria.

1.5 – A Política Externa Independente

No período que vai do início do governo Jânio Quadros (1960) até a interrupção do governo de João Goulart (Jango) com o golpe de 1964, é formulada a Política Externa Independente, que marca a sistematização de muitos princípios da política externa brasileira contemporânea.

A Política Externa Independente representou a soma do pragmatismo tradicional da diplomacia brasileira, herança do Barão do Rio Branco, ao ideal nacional-desenvolvimentista Isebiano(15), que recebia influência direta das idéias da CEPAL(16).

O objetivo principal da Política Externa Independente era remover quaisquer obstáculos que pudessem ser percebidos como instrumentos de contenção do desenvolvimento econômico, científico e tecnológico ao qual o país estava destinado.

Pela primeira vez o relacionamento com os Estados Unidos é concebido não como um instrumento para aumentar o poder de barganha externa, mas como a conseqüência da própria ampliação deste poder, que deve ser construído autonomamente pelo Brasil.(17)

A Política Externa Independente representou a tomada de consciência de que a busca do desenvolvimento autônomo inexoravelmente levaria a um embate de interesses com as grandes potências. De que essas potências, principalmente devido à posição pouco estratégica da América Latina naquele contexto de Guerra Fria, não teriam interesses no desenvolvimento da região.

Uma vez que se percebeu que o interesse das Superpotências era (e sempre será) a manutenção do status quo, e de que o desenvolvimento de países como o Brasil levaria à reestruturação da ordem mundial, ficava clara a inviabilidade de qualquer tipo de alinhamento. Daí a ênfase no eixo de conflito Norte-Sul, na aliança com os países em desenvolvimento e nas demandas para o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional.

Com a Política Externa Independente o Brasil finalmente reconhece o papel revolucionário que lhe cabe no Sistema Internacional.

Foram Afonso Arinos de Melo Franco, San Tiago Dantas e Araújo Castro, todos chanceleres durante o período, que desenvolveram os princípios que influenciam até hoje o Itamaraty. São eles:
– não alinhamento;
– defesa dos interesses econômicos do Brasil em qualquer contexto ideológico;
– universalização de nossas relações;
– preferência pela diplomacia multilateral;
– busca da ampliação da autonomia política e econômica;
– defesa de uma Nova Ordem Econômica Internacional; e
– promoção da cooperação sul-sul.

Naquele momento, utilizando-nos desses princípios, foram adotadas medidas como a opção pelo eixo de conflito Norte-Sul ao invés do Leste-Oeste, o reforço ao multilateralismo da ONU (com apoio às demandas do Terceiro Mundo), o reatamento diplomático com a União Soviética, o incremento das relações comerciais com o mundo socialista, o estabelecimento de relações especiais com a República Federativa Alemã, a aproximação com a África (O Brasil como ponte entre África e Ocidente), a mediação das relações entre Cuba e Estados Unidos, a defesa do princípio de autodeterminação dos povos e a crítica à invasão da Baía dos Porcos.

A implementação desses princípios exigiu uma ampla universalização de nossos contatos internacionais. Pela primeira vez nossa diplomacia passa a atuar em âmbito verdadeiramente global.

No entanto, apesar de todo o esforço para implementar essa política, ainda faltavam meios reais de projeção de poder para uma atuação externa tão autônoma. Havia um hiato entre teoria e prática, discurso e ação. Isso fica patente no caso das colônias portuguesas, quando o Brasil absteve-se de apoiar a descolonização desses países na Assembléia Geral da ONU, cedendo as demandas do lobby português.

Esse descompasso entre querer e poder fez com que os resultados alcançados pela Política Externa Independente fossem pouco significativos. Mesmo assim, seus princípios criaram uma concepção intelectual que seria extremamente útil posteriormente, quando o Brasil passou a apresentar outras realidades materiais.

Cabe destacar que o recrudescimento da polarização interna entre “entreguistas” e nacionalistas também atrapalhava na implementação da Política Externa Independente. Para os “entreguistas”, qualquer atitude nacionalista e autônoma representava um movimento subversivo que visava implementar o comunismo. Aliás, o golpe militar de 1964 representou o fim dessa polaridade interna, com a vitória momentânea dos interesses “entreguistas”.

1.6 – O Golpe militar e a dependência externa

Foi durante o período da Política Externa Independente que a polarização interna entre nacionalistas e entreguistas alcançou seu ápice. Jânio Quadros, com sua personalidade sui generis, vence as eleições utilizando-se de uma retórica nacionalista ao mesmo tempo em que é apoiado politicamente por setores entreguistas (UDN). Tal contradição se reflete diretamente em seu curto governo. Adota a Política Externa Independente (nacionalista) simultaneamente a uma política econômica restritiva (liberal, entreguista). Isso fez com que Jânio perdesse toda sua base de apoio. Logo, em um ato desesperado, visando voltar à presidência com poderes ampliados, Jânio renuncia. Seu plano fracassa, sua renúncia é aceita pelo Congresso e pelo povo.

O vice-presidente, João Goulart (Jango), então líder das forças nacionalistas, é tido pelos setores conservadores como comunista. O país entra em uma profunda crise política. Enquanto os setores entreguistas tentaram impedir a posse de Jango, que estava em viagem na China, os nacionalistas foram às ruas para pedir por sua posse. Para resolver a situação é alterado o regime político brasileiro, é adotado o parlamentarismo, que restringiria o poder de Jango.

Diante disso, somado à disputa econômica entre o modelo autônomo e o dependente, a economia brasileira começa a entrar em crise. A crise deflagrou uma intensa mobilização popular que visava o restabelecimento do presidencialismo. Diante da pressão, o Congresso autorizou um plebiscito sobre a matéria, plebiscito que teve o presidencialismo como regime vitorioso. Com plenos poderes de presidente, Jango inicia efetivamente seu governo.

Tentando conseguir apoio tanto dos entreguistas como dos nacionalistas, Jango apresenta o Plano Trienal. O plano previa, como medidas de longo prazo, amplas reformas sociais, tais como a reforma agrária e a lei que limitava a remessa de lucros ao exterior. Como medidas de curto prazo, diante da crise, foram adotadas medidas conservadoras, baseadas em uma política econômica monetarista. Isso fez com que, de um lado, os nacionalistas e a esquerda se mobilizassem contra as medidas de curto prazo. Do outro, que os entreguistas temessem as medidas de longo prazo. A situação era insustentável, Jango tinha que escolher um lado. Como histórico nacionalista, herdeiro político de Getúlio, Jango opta pela autonomia. Foram deflagradas então as reformas de base, o “caminho brasileiro”(18).

Era tarde demais, o modelo dependente havia se fortalecido muito e os setores entreguistas souberam aproveitar a crise e conseguir o apoio dos militares e da burguesia nacional para um golpe que pôs fim ao governo de Jango.

“O golpe tornou-se possível porque as vacilações iniciais do governo Goulart, na medida em que retardaram a implementação das reformas estruturais indispensáveis, favoreceram o prolongamento dos efeitos desorganizadores da crise, provocando descontentamentos e divisões no seio das forças nacionais e criando, assim, o clima ‘psicossocial’, como diria o General Golbery do Couto e Silva, propício ao golpe”(19).

O golpe de 31 de março de 1964 representou a vitória política dos entreguistas sob os nacionalistas. Castelo Branco se tornou o presidente do Brasil. A partir de então, o objetivo dos entreguistas passou a ser a implementação do “modelo” dependente de reprodução de capital no Brasil.

“Em função disso, [o governo] teve como principal tarefa, independentemente da consciência dos que o integravam internamente, a de remover os obstáculos para a expansão imperialista no país e depois garantir uma política que desse estabilidade ao ‘modelo econômico daí decorrente’. Para cumprir essa tarefa, não havia outra alternativa senão o esmagamento da expressão social e política das forças nacionais, isto é, da democracia”.(20)

Foi com o objetivo de abrir espaço para o capital estrangeiro que foi implantado o PAEG (Plano de ação econômica do Governo). A base do plano era a adoção de medidas econômicas monetaristas, ou seja, corte dos investimentos estatais, corte dos gastos públicos, restrições ao crédito e aumento dos impostos e da taxa de juros. O PAEG foi implantado por Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões, os dois liberais convictos e discípulos do velho Gudin.

Em se tratando de política externa, adota-se uma posição de completo alinhamento aos EUA. Todas as premissas da política externa independente são deixadas de lado. O Brasil volta a basear sua atuação externa no eixo de ação Leste – Oeste, além de eliminar qualquer atrito que havia com os Estados Unidos.

“De tudo isso resulta uma política tímida, cautelosa nas relações internacionais, que de tanto desejar evitar atritos e pontos de fricção e de tanto almejar ajustar as tensões, acaba por substituir o realismo pragmático ou mesmo o romantismo revolucionário pelo moralismo contra-revolucionário, ou, se quiserem, neoclássico … O moralismo contra-revolucionário parte de idéias negativas, como a corrupção e a subversão e não de idéias positivas, como o desenvolvimento e a modernização”.(21)

O PAEG de Campos e Bulhões aprofundou a crise econômica que vinha ocorrendo desde 1962, fazendo com que parte da burguesia nacional, que havia apoiado o golpe, passasse a se distanciar do novo regime, criando um clima de instabilidade, que fez com que os investimentos estrangeiros, tão necessários segundo os planos da nova equipe econômica, se afastassem do país.

Foi só após o “golpe dentro do golpe” , com a ascensão de Costa e Silva à Presidência, em 1967, e o conseqüente “endurecimento do regime”, que o modelo dependente se consolidou no Brasil. Entretanto, para sua consolidação, já que a retomada do crescimento econômico era essencial para o novo regime, procurou-se integrar os elementos nacionais desenvolvidos anteriormente ao modelo dependente, ainda que de maneira subordinada a este. Isso foi realizado pelo então ministro Delfim Netto.

As principais conseqüências do modelo dependente foram a monopolização da economia, a superexploração da força de trabalho e o desequilíbrio entre os setores produtivos brasileiros, com crescimento desproporcional do setor IIb (de produtos duráveis), controlado pelas grandes corporações estrangeiras.

Tal modelo econômico exigiu algumas alterações na política externa brasileira. Com um modelo econômico interno altamente concentrador de renda, que baseava seu crescimento na expansão do setor IIb, controlado por empresas estrangeiras, a industria privada nacional, concentrada no setor IIa (de produtos populares), passou a necessitar de novos mercados, que teriam de ser encontrados no exterior. Para isso, foi necessária a adoção de uma política externa comercial mais agressiva, que necessariamente dependia de um certo afastamento de Washington. Logo, em termos de política externa, o pragmatismo passa a ser retomado, ainda que estivesse limitado a alguns dogmas ideológicos do regime.

1.7 – O II PND e o pragmatismo responsável e ecumênico.

A partir da década de 1970, o padrão dependente de acumulação de capital, implantado no período anterior, passa a entrar em agonia. Isso se dá, em grande parte, devido às diversas crises internacionais deflagradas no início daquela década. Tais crises representavam o início do processo de decadência do império norte-americano. Os imensos custos econômicos da Guerra do Vietnam, somados à ascensão econômica da Alemanha e do Japão, fizeram com que os Estados Unidos não mais pudessem garantir a paridade dólar-ouro que havia sido estabelecida na Conferência de Bretton Woods, em 1944. Isso, somado à crise do petróleo de 1973, por ocasião da criação da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo), conseqüência direta da Guerra de Yom Kippur, gerou uma grande crise nos países centrais. Como de costume, os países centrais tentaram jogar o ônus da crise para sua periferia, principalmente através do protecionismo com relação a muitos produtos provenientes do Terceiro Mundo e do “repatriamento” de lucros e de investimentos realizados nos países dependentes.

Tal crise fez que se abrissem duas perspectivas para os países dependentes,

“ou aumentavam a subordinação externa, adotando o chamado ‘ajuste estrutural’, eufemismo que disfarçava as políticas de contenção das economias nacionais a fim de aumentar o papel do capital estrangeiro e criar as condições para o pagamento do ‘serviço’ da dívida externa; ou aproveitavam a crise para começar a trilhar um caminho independente de desenvolvimento, adotando um programa de substituição de importações em setores básicos e estratégicos e aumentando o papel do Estado na economia”.(22)

Nesse contexto, o Brasil, com a vitória dos setores nacionalistas das Forças Armadas na transição presidencial, optou pelo segundo caminho, de superação da dependência externa e busca do desenvolvimento. Era esse o objetivo do IIPND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento), lançado pelo Presidente Geisel.

O IIPND tinha como prioridade o desenvolvimento dos setores básicos da economia. Para isso, o investimento estatal e o financiamento público a empresas nacionais seriam o aspecto central do Plano.

Em termos de política externa, Geisel, com o competente auxílio de seu Chanceler Azeredo da Silveira, recupera os princípios da Política Externa Independente de Jânio e Jango. O slogan da política externa do período, Pragmatismo Responsável e Ecumênico, já demonstram que o antigo modelo de política externa baseada em fronteiras ideológicas havia sido substituído pelo pragmatismo.

Como resultado do pragmatismo na atuação externa, foram adotadas importantes atitudes, como no acordo com a República Federal Alemã (RFA) para a compra de tecnologia nuclear (com forte oposição norte-americana), no reconhecimento da independência de Angola e do Movimento para a Libertação de Angola (de esquerda), na condenação de Israel pela ocupação de territórios Árabes e no reconhecimento da OLP (Organização para Libertação da Palestina) como representante do povo palestino, no reconhecimento da China comunista em detrimento de Taiwan, na denuncia do acordo bilateral de assistência militar com os EUA (que havia sido firmado em 1952), na recusa de assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e na defesa das teses Terceiro-mundistas nos órgãos multilaterais.

Tais atitudes refletiam diretamente as novas estratégias adotadas pelo governo brasileiro, como a aproximação com a Alemanha (para contrabalançar a influência norte-americana), com os regimes comunistas, com os países Árabes (extremamente importante no período devido à crise do petróleo), a universalização (ecumenismo) de nossas relações diplomáticas (principalmente em relação aos países do Terceiro Mundo), a denúncia do “ congelamento do poder mundial ” e a negação definitiva da aliança especial com os EUA (crença que se manteve desde a Segunda Guerra Mundial).

Além disso, foi orquestrada, a partir do Itamaraty, importante ofensiva na política comercial externa. Apesar de ser algo que já vinha sendo adotado desde 1967, como imperativo do modelo dependente de reprodução do capital, tal política se tornava ainda mais necessária na medida em que a crise no sistema capitalista internacional fazia emergir barreiras protecionistas nos países centrais. Daí, também, a importância da aproximação política com os países socialistas e periféricos, pré-condição para um maior intercâmbio comercial, necessário para uma política de diversificação das exportações.

O sucesso do Pragmatismo Responsável, sustentado internamente pelo IIPND, marcou profundamente os diplomatas do Itamaraty, que passaram, a partir daí, salvo raras exceções, a serem importantes defensores do projeto nacional-desenvolvimentista (23).

1.8 – O início das “décadas perdidas” e a Nova República.

O período que vai do final do Governo Geisel até o início do Figueiredo é marcado pelo início de uma nova recessão mundial, desencadeada, principalmente, pela segunda crise do petróleo, em 1979, por ocasião da derrubada do poder no Irã do aliado norte-americano, o Xá Reza Pahlevi.

Como de costume, os países centrais, liderados pelos EUA, tentam transferir a crise para os países dependentes. Foi isso que fez Reagan ao aumentar a taxa de juros norte-americana (no início da década de 1980), base da taxa internacional de juros, pela qual os países do Terceiro Mundo (os dependentes) se endividaram na década de 1970. Explodiu então a crise da dívida nos países do Terceiro Mundo, o que desencadeou enorme transferência de recursos dos países dependentes para os países centrais.

Com isso, novamente, abrem-se duas perspectivas para o Brasil, ou aprofunda o modelo autônomo de desenvolvimento, dando continuidade e aperfeiçoando o IIPND, ou submete-se à pressão do capital estrangeiro e adota o “ajuste externo”, destinado a conter o crescimento econômico e gerar as divisas necessárias ao pagamento do “serviço da dívida”.

O Brasil, agora governado por Figueiredo, que não fazia parte das correntes mais nacionalistas das forças armadas, depois de um certo imobilismo inicial, opta pelo “ajuste externo”. Nesse sentido, Delfim Netto, guindado novamente à chefia da economia, promove o corte do investimento público, do crédito e do salário, provocando grande recessão, inaugurando as duas “décadas perdidas”.

Essa política econômica provocou grande descontentamento popular, com, inclusive, importantes setores da burguesia nacional afastando-se cada vez mais do regime. Além disso, ela aprofundou ainda mais a crise, a ponto de não podermos mais pagar os “serviços” da dívida externa. Isso, somado a escassez de crédito internacional provocada pela crise da dívida em todo o Terceiro Mundo, fez com que, seguindo o modelo de dependência e subordinação, o Brasil se rendesse ao FMI (Fundo Monetário Internacional), aceitando seus empréstimos em troca de seguir adotando as medidas ditadas pelo Fundo, medidas que levariam ao limite o programa de “ajuste externo”, aumentando ainda mais a recessão.

Apesar disso, a política externa manteve os princípios básicos adotados no governo Geisel, agora enfrentando um cenário internacional muito mais instável, caracterizado pela grande crise no Terceiro Mundo e pelo aumento do protecionismo nos países centrais. Tal cenário fez com que se estreitassem as possibilidades de atuação do Brasil no plano global, valorizando a América do Sul como alternativa estratégica.

A crise da dívida, a Guerra das Malvinas e a agressiva política externa adotada pelos governos Carter e Reagan com relação ao Terceiro Mundo fizeram com que os países da região, notadamente o Brasil e a Argentina, antigos rivais, adotassem políticas mais cooperativas, acelerando o lento processo de integração regional iniciado nos anos 60 (24).

Vale dizer que a adoção de uma política econômica monetarista, aos moldes do FMI, que exacerba a dependência externa, limita a margem de manobra de qualquer política externa que vise a autonomia e pense no desenvolvimento.

Com o aumento da recessão, a pressão sob a ditadura aumenta muito. Em 1984, com o enorme descontentamento popular, é deflagrado o movimento das Diretas Já, que exigia eleições diretas para presidência da República. Apesar de a eleição não ter sido direta, é eleito pelo colégio eleitoral, sob intensa pressão popular, o primeiro presidente civil desde 1964, presidente que teria a tarefa de consolidar a democracia. Nasce a Nova República.

O Presidente eleito pelo colégio eleitoral, Tancredo Neves, experiente político com um histórico pautado pela defesa dos interesses nacionais, não chega a tomar posse. Acometido por grave doença, morre após várias intervenções cirúrgicas. Em seu lugar toma posse o vice, José Sarney.

O governo Sarney, depois de um certo imobilismo inicial, é impulsionado pelas forças sociais que tornaram possível a Nova República, adotando medidas que visavam acabar com a recessão que assolava o povo Brasileiro. Nesse sentido, deixou de lado o receituário monetarista do FMI e adotou políticas nitidamente Keynesianas. O desenvolvimento de novo entra em cena como o centro da política econômica do governo. É com essa idéia que Sarney lança o Plano Cruzado.

Na política externa o governo Sarney mantém os princípios do Pragmatismo Responsável/Política Externa Independente, em um contexto internacional ainda mais desfavorável do que o do governo anterior.

“Em se tratando de política externa o período Sarney foi essencialmente uma época de constrangimentos, de restrições, de espaços que se fechavam, quer pela crise e desmobilização do mundo em desenvolvimento, quer pela progressiva ascendência dos países desenvolvidos e dos interesses do norte em geral sobre a agenda internacional” (25).

Dentre os constrangimentos externos enfrentados pelo governo Sarney, o principal era a política externa dos EUA. Do lado ambiental, apoiado por diversas ONGs (Organizações Não Governamentais), os Estados Unidos iniciam uma campanha que visava desacreditar a capacidade do Estado Brasileiro e de seus vizinhos do norte no referente à proteção da Amazônia. Tal campanha tinha como objetivo internacionalizar a Amazônia, ou seja, retirar do Brasil e de seus vizinhos importante parte de seus territórios, futura e inestimável fonte de riqueza para seus povos. Do lado comercial, visando enfraquecer a oposição de alguns países (do Brasil e da Índia) perante suas propostas na Rodada Uruguai, além de não permitir planos autônomos de inovação tecnológica, os EUA utilizam o Brasil como showcase em sua política de retaliação comercial. Utilizando-se da seção 301 do Trade Act de 1974, o governo dos EUA, como resposta a reserva brasileira de informática e fármacos, retalia o Brasil comercialmente. Além disso, havia a habitual pressão financeira para que o Brasil adotasse uma política econômica que favorecesse o pagamento dos “serviços” da dívida.

Perante este constrangimento, o governo Sarney acelera ainda mais o processo de integração regional sul-americano, com clara pretensão de diminuir a influência norte-americana na região. Neste sentido, destacam-se a Ata de integração Argentino-Brasileira, assinada em 1986, e o posterior Tratado que estabeleceu o Mercado-Comum Brasil-Argentina, embrião do Mercosul.

No plano econômico interno, após grande sucesso inicial do Plano Cruzado, este, devido a falta de incentivos ao investimento na ampliação da capacidade produtiva da nação e da falta de firmeza no enfrentamento do problema da dívida externa, com o adiamento da moratória, passa a entrar em colapso. A inflação passa a atingir números assombrosos. Para tentar resolver o problema, Sarney implementa planos conservadores, como o Cruzado II e o Plano Verão, que terminaram por tornar a economia brasileira um caos. Ao final de seu mandato, tem inicio a “abertura da economia”, algo que vai ser complementado nos governos Collor e FHC.

1.9 – Collor, o “Consenso de Washington” e
o interregno com Itamar.

Como resposta à crise, a população manifestou seu descontentamento ao eleger um jovem político que possuía um discurso demagógico e prometia a “modernização” do país.

O plano econômico proposto pela equipe de Collor tinha como base as idéias do chamado “Consenso de Washington”(26), ou seja, abertura econômica (fim da proteção concedida as empresas nacionais), privatizações, desregulamentação da economia e flexibilização das relações de trabalho (limitar os direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários).

Devido ao curto período em que Collor ficou na Presidência da República, graças ao impedimento em 1992, seu governo não teve tempo de implementar, com profundidade, a maior parte das medidas acima, com exceção da abertura econômica, que já vinha ocorrendo desde o final do governo Sarney e foi acelerada em seu governo.

A política externa brasileira também passou por grandes transformações durante o governo Collor. Em primeiro lugar, ciente da importância de uma política externa submissa para um maior sucesso na implementação de seu “plano neoliberal”, Collor esvazia o Itamaraty de suas principais funções, deixando-as para os titulares das pastas econômicas, devidamente escolhidos pelo Presidente. Isso porque, devido a sua identificação com o projeto nacional-desenvolvimentista e com os princípios da Política Externa Independente e do Pragmatismo Responsável, o Itamaraty era visto como um núcleo de resistência oposto ao projeto de Collor.

“Uma outra leitura dos interesses nacionais deu forma ao processo decisório dos governos neoliberais. As chancelarias foram em boa medida silenciadas, como guardiãs que eram do patrimônio político da filosofia desenvolvimentista. Sua esfera de ação foi confinada à diplomacia ornamental, os novos temas da moda, como a governança global, o meio ambiente, os direitos humanos e as intervenções humanitárias. A política internacional pesada, isto é, as relações econômicas internacionais dos países como comércio, finanças, vinculações empresariais ou transferências de ativos privatizados, passou para o comando dos ministérios econômicos, ocupados por jovens que em sua maioria haviam feito pós-graduação em universidades norte-americanas ou haviam servido como técnicos de agências tais como o FMI e o Banco Mundial.”(27)

Nesse sentido, foi adotado o alinhamento total e automático com as posições de Washington, tendo sido evitado qualquer tipo de atrito com os EUA. Inclusive, no plano retórico, houve uma descaracterização de nosso perfil terceiro-mundista.

Apesar disso, o Itamaraty atuou no sentido de redirecionar ou minimizar os impactos negativos de certas decisões de política externa do governo Collor, introduzindo elementos de continuidade na atuação internacional do Brasil, com destaque para as medidas que visavam aprofundar o processo de integração regional que havia sido acelerado na década passada.

“Para o Embaixador Nogueira Batista, o Itamaraty não participou ativamente da formulação da política externa do Governo Collor. Contudo, no espaço de manobra que lhe cabia na execução da política, teve uma ‘atuação minimizadora do custo de algumas posturas presidenciais’. A esse respeito, cita dois exemplos da engenhosidade do Itamaraty: o Acordo Quadripartite de salvaguardas nucleares entre o Brasil, a Argentina, a ABCC e a AIEA; e o acordo 4+1 entre os quatro membros do Mercosul e os EUA. No primeiro caso, o Itamaraty teria formulado o instrumento de ‘adesão indireta’ ao TNP. No segundo caso, também seria de autoria do Itamaraty a coordenação de uma resposta conjunta dos países do Mercosul à iniciativa para as Américas proposta pelo Presidente Bush, motivada pelo objetivo de assegurar a ‘salvaguarda da integridade do Mercosul’, que poderia vir a ser ameaçada por negociações bilaterais de seus membros com os EUA.

Para o Embaixador Celso Amorim, a principal manifestação do Itamaraty, no referente à utilização de sua margem de manobra para adoção de políticas, se deu na criação do Mercosul.” (28)

Logo, enquanto Collor e seus auxiliares buscavam aproximar, de maneira subordinada, o Brasil dos EUA, o Itamaraty, com poderes limitados, adotou medidas que visavam amenizar tal aproximação.

A recessão econômica somada às denuncias de corrupção provocaram intensas mobilizações populares, que possibilitaram o impedimento do mandato de Collor. No seu lugar, entrou o vice, Itamar Franco.

Itamar, ao contrário de Collor, era um político de tradição nacionalista, não simpatizava com o projeto neoliberal. Logo, no início de seu governo, abaixou a taxa de juros, ampliou o gasto público e resistiu aos projetos de privatização.

Em termos de política externa, houve um distanciamento com relação aos EUA, principalmente durante a gestão do Embaixador Celso Amorim na chefia do Itamaraty. A principal característica da política externa do governo Itamar foi a prioridade dada ao processo de integração regional, com destaque para o lançamento da proposta de criação da Área de Livre Comércio Sul Americana (ALCSA).

Apesar de seu viés nacionalista, Itamar passou a abrir muito espaço para alguns de seus ministros, com destaque para Fernando Henrique Cardoso, que após rápida passagem pelo Ministério das Relações Exteriores assumiu o cargo de Ministro da Fazenda, tornando-se o homem mais poderoso do novo governo.

“Na verdade, o ‘governo’ de Fernando Henrique foi antecipado em um ano e meio. Começou, na prática, quando foi guindado a Ministro da Fazenda em junho de 1993. A partir desse posto privilegiado, passou a comandar o essencial da ação do governo, retomando e levando ao extremo o programa do ‘Consenso de Washington’ inaugurado no Brasil por Collor. Nesse sentido, é possível afirmar que o governo de Itamar durou pouco mais de oito meses, isto é, entre outubro de 1992 e junho de 1993.”(29)

Logo, apesar de ter aliviado um pouco a recessão e garantido um certo crescimento econômico, o governo Itamar durou pouco.

1.10 – FHC e a exacerbação do “modelo” dependente.

Fernando Henrique Cardoso (FHC), primeiro como Ministro da Fazenda e depois como Presidente da República, dizia que sua prioridade era controlar a inflação para garantir o crescimento “sadio” da economia. Para isso, ao invés de combater os verdadeiros causadores da inflação, a transferência de recursos ao exterior e a estrutura monopólica da economia brasileira, adotou um desastroso plano que exacerbou ao máximo a dependência externa de nossa economia.

A essência de seu plano estava na supervalorização artificial da nova moeda, o Real – “âncora cambial” -, que somado à crescente “abertura” da economia, subsidiava as importações, forçando os preços internos para baixo. Logo, tal política fez com que houvessem enormes déficits na balança comercial, que somados com a drenagem de recursos para o exterior registradas nas contas de serviço e de capital por conta da renegociação da dívida, tornou necessária a adoção de elevada taxa de juros interna – “âncora monetária”-, que tinha como objetivo atrair grandes quantidades de capitais estrangeiros para o financiamento dos déficits externos. Com os juros elevados, havia o aumento dos encargos financeiros do setor público, que exigiam, para serem cobertos, aumento do superávit primário, ou seja, aumento dos impostos e diminuição dos investimentos do Estado – “âncora fiscal”.

Tal política, além de gerar instabilidade na economia, por fazê-la depender dos humores do capital especulativo internacional, era extremamente prejudicial aos empresários nacionais, que tinham de enfrentar a concorrência externa subsidiada. Tal concorrência, predatória, terminou por destruir boa parte da indústria nacional, gerando desemprego e pobreza.

Em se tratando de política externa, FHC assume pessoalmente o seu processo de elaboração e implementação, que passou a se caracterizar pelo slogan de “diplomacia presidencial”.

Nesse sentido, foi de especial importância a “aliança” com países nos quais os chefes de Estado e Governo tinham vínculos de amizade com o nosso presidente, notadamente os líderes da chamada “Terceira Via”(30), Bill Clinton (EUA) e Tony Blair (Inglaterra).

O grande objetivo da política externa de FHC, face ao seu plano econômico, era buscar investimentos no exterior, principalmente nos países centrais – EUA, UE e Japão. A grande necessidade de tais investimentos, para cobrirem o “rombo externo”, fez com que adotássemos uma postura passiva, aceitando de imediato a agenda da “comunidade internacional”, ou seja, dos países centrais. Um bom exemplo disso foi a adesão, sem barganha, ao TNP (Tratado de Não-Proliferação Nuclear), que mostra o total desapego da equipe de FHC ao pragmatismo nas negociações internacionais.

Apesar disso, FHC, provavelmente para tentar conservar seu inexplicável prestígio de intelectual “progressista”, muitas vezes adotava uma retórica crítica, alertando para os riscos da conjuntura internacional.

“As falas presidenciais, sobretudo no exterior – no Colégio do México, em New Dehli, Beijing ou nos convescotes da ‘Terceira Via’ – sugeriam que o país estava consciente dos perigos da atual (des)ordem mundial. Quase que apontavam para uma vigorosa política externa, capaz de fazer frente aos constrangimentos internacionais que ameaçam países como o Brasil. O que sobrou de todos esses discursos foram palavras, palavras, palavras …”(31)

FHC sempre fingia equilibrar suas negociações com os países desenvolvidos – norte de sua política externa-, com tímidas iniciativas junto aos grandes países periféricos, como foi o caso das parcerias estratégicas com a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul.

Além disso, apesar de seguir com o projeto de integração regional junto aos países da América do Sul, ainda que com colorações neoliberais e a um ritmo bem mais lento, FHC manteve acesas as negociações da ALCA (Área de Livre Comércio entre as Américas), que põe em risco toda a autonomia da América Latina.

O cientista político Oliveiros Ferreira resume bem a política externa de Fernando Henrique, ao escrever:

“a adesão ao ‘pensamento único’, o predomínio de uma visão economicista das coisas e o culto dos números (do dinheiro) por parte das figuras-chave no Executivo criaram um sistema de forças cujo resultante inibe uma conduta de fato autônoma na cena internacional e faz que o Estado dê prioridade, não aos seus próprios interesses e aos valores que deveriam orientar sua política internacional, mas aos valores que os Estados Unidos, megapotência hegemônica, estipulam como sendo aqueles que devem conformar (no fundo e na forma) as políticas interna e externa dos países em desenvolvimento.”(32)

Nos anos de 1997-1998, com a crise Asiática, o plano FHC entra em colapso. Como os investidores internacionais tinham acabado de sofrer grandes prejuízos na Ásia, estes optaram por “retirarem” seus investimentos das “áreas de risco”, onde o Brasil estava inserido. Logo, com a cessação da entrada de capitais especulativos externos, o enorme déficit brasileiro ficaria descoberto, acarretando a perda de nossas reservas. Tal movimento só não ocorreu de maneira mais abrupta, pois o Brasil seguia com sua criminosa política de privatização. Aliás, o processo de privatização foi essencial para captação de recursos no exterior, era a principal exigência dos investidores.

Nesse contexto, não havia outra alternativa para FHC, ele teria de soltar a “âncora” do Real. O objetivo era desvalorizar o Real, o que favoreceria as exportações e desfavoreceria as importações, diminuindo (ou acabando) com o déficit comercial. O problema era que a “âncora” cambial era a base da política de combate a inflação, daí sua substituição por uma política baseada nas “metas de inflação”, com a necessidade de uma taxa de juros ainda mais elevada.

Apesar das altas taxas de juros, o capital estrangeiro continuava deixando o país, levando com ele nossas insuficientes reservas, mesmo após o aumento das exportações. Diante dessa insustentável situação, para garantir as condições para que os especuladores pudessem retirar seus capitais do país, o FMI veio em nosso socorro, ou melhor, deles. Daí os três acordos do Brasil com o FMI. Em troca desses empréstimos, o Brasil garantiu enormes superávits primários, política que agravou ainda mais a situação econômica e social do país.

Os resultados dos oito anos de governo Fernando Henrique foram catastróficos, com a desnacionalização da economia, o endividamento explosivo (interno e externo), o aumento da vulnerabilidade externa, a explosão do desemprego e o aumento da fome e da miséria.

1.11 – Lula, continuidade e ruptura.

O povo brasileiro, desgastado após a exploração imposta pelo projeto neoliberal, manifestou toda sua vontade de mudança nas urnas, durante a eleição presidencial de 2002. O candidato que daria continuidade à desastrosa “Era FHC”, José Serra, é derrotado pelo candidato do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, retirante nordestino, ex-operário e ex-líder sindical, que representava a esperança de mudança que havia acometido o sofrido povo brasileiro.

No entanto, o governo Lula, pressionado pelas forças populares que pedem mudança e pelas forças conservadoras e externas que pedem continuidade, vem adotando uma postura contraditória, que combina continuidade e ruptura.

“Continuidade no que diz respeito à política econômico-financeira, especialmente nas áreas monetária, fiscal e cambial, e suas ações derivadas nas chamadas reformas microeconômicas; ruptura em relação à política exterior e suas ações derivadas na política de comércio exterior. Ao continuar os aspectos da política macroeconômica relativa às áreas monetária, cambial e fiscal, mantém a subordinação da economia ao FMI e às regras impostas pela administração estadunidense e os credores externos e internos; ao mudar a política exterior, afasta-se do alinhamento automático com aquela administração e pratica uma política externa independente e uma conseqüente política de diversificação do comércio exterior. É essa a contradição do governo Lula.”(33)

Logo, enquanto é mantida a política de “metas de inflação” como eixo central da política econômica, com juros elevados e a necessidade do elevado superávit primário, contentando os setores conservadores, a política externa adota uma posição autônoma, que contenta os setores populares.

A política externa do governo Lula, manifestação dos anseios de mudança da população, resgata os princípios de ação da Política Externa Independente e do Pragmatismo Responsável, combinação das heranças do Barão do Rio Branco e do nacional-desenvolvimentismo. Nesse sentido, os responsáveis por sua formulação e implementação, Embaixador Celso Amorim (atual Ministro das Relações Exteriores), Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (atual Secretário Geral do Itamaraty) e o ex-secretário de Relações internacionais do PT, Marco Aurélio Garcia (atual assessor especial da presidência para política externa), vêm fazendo um excelente trabalho.

O eixo central da política externa de Lula é o processo de integração regional(34), com destaque para a recuperação e ampliação do Mercosul, debilitado depois da abrupta desvalorização cambial brasileira dos anos 1998-1999, e para a criação da Comunidade Sul Americana de Nações (CASA), ambos com o objetivo de barrar a influência estadunidense na região. Além disso, Lula e seus colegas Sul-Americanos se esforçam em substituir o “eixo comercial” – baseado nas “forças do mercado” – ao qual vinha sendo baseada a integração na década de 1990 – à moda neoliberal – por um “eixo político-estratégico”, baseado na integração física da região, com destaque para projetos de infra-estrutura e de formação de cadeias produtivas complementares.

Outro importante eixo de ação da atual política externa são as parcerias estratégias com os “grandes Estados periféricos”(35), notadamente a China, a África do Sul, a Índia e a Rússia. Com esses países, destacam-se o aumento do intercâmbio comercial e os importantes projetos de cooperação tecnológica.

Outra importante característica da diplomacia de Lula é a retomada na aproximação com os países árabes. Estes parceiros, muito importantes durante a década de 1970, vieram diminuindo a intensidade de suas relações com o Brasil ao longo das décadas de 1980 e 1990. No entanto, agora, no governo Lula, tal relacionamento tem sido retomado, com destaque para a Cúpula América do Sul – Países Árabes, organizada pelo Brasil e responsável por um grande aumento nas relações comerciais entre as duas regiões.

O resultado de todas essas medidas são, de um lado, a diminuição da dependência externa, devido à diversificação das exportações provocada pela aproximação com o Terceiro Mundo, exportações que foram o eixo central do crescimento econômico do país no período. De outro, o aumento do prestígio político internacional do país, possibilitando o lastro necessário para que lideremos importantes manobras, tal como na criação do G-20, durante a reunião da OMC em Cancun.

No referente às negociações da ALCA, o simples fato do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, severo crítico do projeto, que por isso chegou a ser exonerado do cargo de presidente do IPRI (Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais) durante o governo FHC, ter sido guindado ao segundo cargo mais importante do Itamaraty (o de Secretário-Geral da instituição), já revela a falta de vontade da administração Lula para com o projeto de “integração hemisférica”. Além disso, a posição brasileira (e do Mercosul em geral) de resistência às imposições dos EUA nas negociações, está praticamente inviabilizando a continuidade do projeto.

Ainda que a política externa brasileira tenha logrado importantes avanços no governo Lula, estes podem ser ameaçados pela política econômica submissa de Palocci e Meireles, que limita o projeto de autonomia buscado pelo Itamaraty, apoiado pelas forças populares e por amplos setores do atual governo.

Notas.
*. Tema que intitula o primeiro capítulo de uma pesquisa ainda em curso, realizada no âmbito da iniciação cientifica do Unicentro Belas Artes, sob a orientação do prof. Dr. Nilson Araújo de Souza.
1.O historiador Eric Hobsbawm chama esse período, que vai de 1875-1914, de Era dos Impérios.
2.OLIVEIRA, Henrique Altemani de. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005. Pg. 39-40.
3.LINS, Alvaro. Rio Branco (O Barão do Rio Branco). Biografia pessoal e história política. São Paulo: Alfa-Omega, 1996. Pg. 362.
4.Idem, Pg. 432.
5.Joaquim Nabuco foi um importante personagem da História brasileira, principalmente no que se refere à sua militância a favor do abolicionismo. Apesar disso, neste trabalho, considerar-se-á apenas suas idéias no referente à política externa do período. Vale lembrar que Nabuco era um grande amigo do Barão do Rio Branco, sendo, além disso, nesse período, embaixador em Washington.
6.SILVA, Alexandra de Mello. O Brasil no Continente e no Mundo: atores e imagens na política externa contemporânea. Rio de Janeiro: CPDOC, 1995. Pg. 13.
7.Além dos empréstimos para a constituição da CSN, os empréstimos e a cessão de materiais bélicos ao Brasil foram significativos.
8.A “primeira guerra fria” produziu momentos de tensões que quase levaram à deflagração de um Terceiro Conflito Mundial. Ex. as duas crises de Berlim, a Guerra da Coréia e, principalmente, a crise dos mísseis.
9.BARRETO, Fernando de Mello. Os sucessores do Barão 1912-1964. Relações Exteriores do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2001. Pg. 178.
10.HIRST, Mônica. O pragmatismo impossível: política externa do Segundo Governo Vargas (1951-1954). In Cena Internacional, ano 5, n.3, jun/2003. Pg. 1.
11.SOUZA, Nilson Araújo de. A Longa Agonia da Dependência. Economia Brasileira Contemporânea (JK-FH). São Paulo: Alfa-Omega, 2004. Pg. 57.
12.HIRST, Mônica. O pragmatismo impossível: política externa do Segundo Governo Vargas (1951-1954). In Cena Internacional, ano 5, n.3, jun/2003. Pg. 2.
13.Termo que se refere ao título do artigo de Mônica Hirst.
14.VIZENTINI, Paulo. A política externa do Governo JK. In ALBUQUERQUE, José A. G. (org). Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990). São Paulo: USP, 1996.
15.Referente ao ISEB (Instituto de Estudos Brasileiros), instituição criada por JK e que reunia intelectuais progressistas que discutiam o desenvolvimento do Brasil. Para citar alguns nomes que participaram do ISEB temos: San Tiago Dantas, Hélio Jaguaribe, José Honório Rodrigues e etc.
16.CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), agência da ONU que reuni intelectuais latino-americanos para pensar e estudar o desenvolvimento da região. Durante as décadas de 1950 e 1960 a CEPAL realizou contribuições inestimáveis para o avanço dos estudos sobre o desenvolvimento econômico. Dentre diversos intelectuais que ocuparam seu quadros, destacam-se, sem dúvida, Raúl Prebisch e Celso Furtado.
17.SILVA, Alexandra de Mello. O Brasil no Continente e no Mundo: atores e imagens na política externa contemporânea. Rio de Janeiro: CPDOC, 1995.
18.Caminho Brasileiro era o nome do programa de reformas apresentado por Jango ao Congresso.
19.SOUZA, Nilson Araújo de. A Longa Agonia da Dependência. Economia Brasileira Contemporânea (JK-FH). São Paulo: Alfa-Omega, 2004. Pg. 99.
20.Idem, Pgs. 109-110.
21.RODRIGUES, José Honório. Interesse Nacional e Política Externa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. Pgs. 203-204.
22.SOUZA, Nilson Araújo de. A Longa Agonia da Dependência. Economia Brasileira Contemporânea (JK-FH). São Paulo: Alfa-Omega, 2004. Pgs. 19 e 20.
23.Essa característica dos diplomatas brasileiros vai ser extremamente importante durante a década de noventa, quando os governos Collor e FHC abandonam totalmente o projeto nacional-desenvolvimentista.
24.O processo de integração regional sul-americano, objeto de estudo deste trabalho, será melhor analisado em capítulo específico.
25.CORRÊA, Luiz Felipe de Seixas. A política externa de José Sarney. In ALBUQUERQUE, José A. G. (org). Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990). São Paulo: USP, 1996.
26.O “Consenso de Washington” diz respeito a um documento, resultado de uma reunião convocada pela Sociedade Internacional de Economia, em Washington, em 1989, que objetivava analisar o contexto internacional e propor alternativas. O documento foi o resultado da sistematização das alternativas propostas pelos analistas durante a reunião.
27.CERVO, Amado Luiz. Relações Internacionais da América Latina: velhos e novos paradigmas. Brasília: FUNAG, 2001. Pg. 283.
28.MELLO, Flávia de Campos. Regionalismo e inserção internacional: continuidade e transformação da política externa brasileira nos anos 90. Tese de Doutoramento: USP, 2000.
29.SOUZA, Nilson Araújo de. A Longa Agonia da Dependência. Economia Brasileira Contemporânea (JK-FH). São Paulo: Alfa-Omega, 2004. Pg. 463.
30.Terceira Via teve como seu principal ideólogo o cientista político britânico Anthony Guiddens, que defendia a adoção de um modelo intermediário entre o capitalismo e o socialismo, com o objetivo de “humanizar” o primeiro. Os grandes líderes da Terceira Via foram Tony Blair, Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso. Sabemos muito bem que, principalmente para Blair e FHC, a “Terceira Via” só era posta em prática nos discursos, com o objetivo de tentar manter o perfil “progressista” enquanto adotavam políticas conservadoras.
31.GARCIA, Marco Aurélio. O melancólico fim de século da política externa. Carta Internacional, v. IX, n. 94/95, p. 6, dez.2000/jan. 2001.
32.FERREIRA, Oliveiros. A crise na política externa: Autonomia ou subordinação? Rio de Janeiro: Revan, 2001.
33.SOUZA, Nilson Araújo de. Lula-lá: continuidade e ruptura. Data Venia, ano III: n. 11 – jan-mar/05.
34.Este processo, por ser o objeto central de estudo deste trabalho, vai ser melhor analisado nos próximos capítulos.
35.Conceito desenvolvido pelo Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em seu livro Quinhentos anos de periferia. Uma contribuição ao estudo da política internacional, onde afirma que os “grandes Estados periféricos” são aqueles países não desenvolvidos, de grandes populações e grande território, não inóspito, razoavelmente passível de exploração econômica e onde se constituíram estruturas industriais e mercados internos significativos.

Luiz Fernando Silva Pinto

Acadêmico do 5º semestre de relações internacionais
no Unicentro Belas Artes.

COmunicações

Breve analogia entre Hobbes e Rousseau

Nesta comunicação, traçamos – de modo breve, porém conciso – uma analogia entre duas grandes teorias da ciência política, quais sejam, (i) o Estado de natureza, na visão de seu criador, o inglês, Thomas Hobbes; e de seu “sucedâneo/opositor” francês, Jean Jacques Rousseau.

Ambos os autores tratam da mesma problemática (estado de natureza), embora de modo distinto. Hobbes, o primeiro a abordar o assunto, assume uma postura mais pessimista sobre o Homem (“o homem é o lobo do homem”). Por conseguinte, o Estado (denominado de Leviatã – monstro de várias cabeças, pertencente à mitologia fenícia) seria o homem artificial com a função de regulamentar as relações humanas e com poder soberano sobre a população, a qual, por sua vez, não teria o direito de se revoltar, pois assim, regressaria ao estado de natureza, o que justamente deveria ser evitado.

Rousseau adota uma postura mais flexível e para alguns, “marxista primitiva”, pois para ele o homem é livre em seu estado de natureza e não tem preocupação pecuniária, personificando um “bom selvagem”. Este estágio para Rousseau se encerra a partir do momento em que um indivíduo se apossa de um determinado conjunto de terras, dizendo lhe pertencerem, o que geraria a desigualdade. Logo, a escravidão e o Estado – diferentemente de Hobbes – são criados através do contrato social para defender a liberdade, alem de se aproximar ao máximo do estado de natureza já que, segundo Rousseau, uma vez imposta a desigualdade em sociedade seria impossível retornar ao estado de igualdade.

Antes de prosseguirmos em nossa analogia, apresentamos uma breve biografia de ambos os pensadores, numa perspectiva teórico-histórica, a iniciar-se por Thomas Hobbes devido sua precedência cronológica, além do pioneirismo acerca do conceito de estado de natureza.

HOBBES

Thomas Hobbes nasceu na cidade inglesa de Westport, em 5 de abril de 1588. Aos quinze anos ingressou na universidade de Oxford onde aprendeu lógica escolástica e filosofia, interessando-se muito pelas idéias aristotélicas.

Formado em Oxford, Hobbes tornou-se, como a maioria dos homens cultos de sua época, preceptor de jovens nobres. Com lorde Hardwick, um de seus alunos, realizou longa viagem pela França (onde de 1629 a 1631 estudou as obras de Euclides, Galileu e Kepler) e pela Itália.

De volta à Inglaterra, em 1637, encontrou a organização política debatida por parlamentares puritanos e presbiterianos (os “cabeças-redondas) e partidários do rei (os “cavaleiros”).

Hobbes – que não podia imaginar que essa rivalidade culminaria com a deposição do rei Carlos I – colocou-se abertamente ao lado dos “cavaleiros”. Assim, quando o arcebispo William Laud e o conde Strattford – principais auxiliares do rei – foram levados à torre de Londres, acusados de conspiração, Hobbes retirou-se para a França (1640). Temia ele que seu De corpore politico, livro favorável à monarquia, que circulava clandestinamente, também o levasse à prisão.

Durante esse exílio voluntário, que durou onze anos, ensinou matemática ao futuro rei da Inglaterra, Carlos II. Hobbes, que já publicara De Cive (do Cidadão), em 1642, dedica-se agora intensamente à sua obra máxima, O Leviatã.

É a partir dessa obra que vamos nos ater, pois é na mesma que Thomas Hobbes cita todas as suas teorias sobre origem do Estado, estado de natureza e contrato social, pontos-chave de sua obra que com certeza forneceram conteúdo científico à Ciência Política que estudamos nos dias de hoje.

Hobbes tem uma idéia um tanto quanto pessimista do Homem, contrariando assim muitos filósofos ao afirmar que o mesmo não é um animal sociável, quer tudo o que é do outro, enfim, é o lobo do próprio homem. Alem disso, Hobbes era monarquista, jusnaturalista (acreditava nas leis naturais) e um contratualista (crença no contrato social).

Para Hobbes, o estado de natureza era uma guerra de todos contra todos, devido à liberdade natural – permitido a fazer tudo o que desejar – e também pelo fato de que, para Hobbes, os homens buscam as mesmas coisas, o que gera grande competição. Assim, sem um órgão que medeie essas relações acontece o estado de guerra de todos contra todos, causando diversas mortes. É a partir desse estado que se cria o que o homem mais preza, o direito à vida, e o Estado origina-se para assegurá-lo, uma vez que no estado de natureza, o homem não seria capaz de alcançar a paz devido à liberdade natural.

A passagem do estado de natureza para o Estado (Leviatã) se dá através do contrato social, momento em que o homem abdica de sua liberdade natural pelo direito à vida. Decorrente de tal abdicação, Hobbes considera que o Estado é soberano – devido também ao fato de ele ser monarquista – e que nada na terra se oporia ao mesmo, pois a única coisa que o Estado não poderia fazer era agir contra as leis naturais, pois tudo que é natural é divino e nada pode ser contra a divindade, enfim, a tarefa essencial do Estado resume-se na proteção à vida.

ROSSEAU

Jean Jacques Rousseau nasceu na cidade de Genebra no ano de 1712. Sua vivência tem como principal característica a turbulência tanto de parte da perspectiva histórica (época da Revolução Francesa), quanto do ponto de vista pessoal, marcada por inúmeras peregrinações, casos amorosos e perseguições.

Tudo começa no ano de 1722, quando seu pai é obrigado a exilar-se e Rousseau permanece sob os cuidados do pastor Lambercier en Rossey ao longo de seis anos. Mas é a partir de 1728 que larga a peregrinação para aportar em grandes acontecimentos, ano em que foge de Genebra e consegue a proteção de Madame de Warens (mais tarde se tornariam amantes), como catecúmeno, instante em que inicia a elaboração de suas obras com a redação de Narciso ou o amante de si mesmo e que mais tarde lhe renderia muitos louros.

Após ter seus cinco filhos e os mesmos serem entregues, no ano de 1755 publica uma de suas obras de maior importância: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, e cujo conteúdo lhe causa muitos problemas por contrariar interesses escusos inclusive da igreja católica.

Finalmente, no ano de 1762, publica sua maior obra filosófica: Do contrato social, publicando ainda neste mesmo ano, O Emílio, obra secundária de seu acervo, embora tenha lhe obrigado a refugiar-se em Neuchatel ao ser condenada pelo Parlamento de Paris.

Rousseau foi um autor muito eclético, sendo considerado por muitos como o pai do romantismo e ao mesmo tempo um marxista primitivo, mas destaca-se em sua existência o fato de ter sido precursor da Revolução Francesa, a qual legou os dogmas do direito do homem, da vontade geral, da liberdade – principal função do Estado segundo Rousseau.

O estado de natureza rousseauniano é embasado na liberdade, ou seja, o homem é livre e não possui a intenção de prejudicar o outro, nem o desejo de poupar em busca de um futuro mais promissor; ele e o que Rousseau chama de “bom selvagem” como dito anteriormente.

Essa situação de liberdade muda a partir do momento em que um indivíduo cerca um pedaço de terra alegando ser seu – isso gera a desigualdade e logo pode gerar a escravidão – e a partir desse momento é assinado o contrato social, dando origem ao Estado para assegurar a liberdade individual e assim, a liberdade civil desloca a liberdade natural, ou seja, esta última sujeita-se ao Estado e à Vontade Geral (pensamento republicano – diferentemente de Hobbes Rousseau era republicano).

Semelhanças e diferenças

Hobbes foi o precursor da teoria do estado de natureza, entre os séculos XVI e XVII, em um contexto extremamente turbulento na Inglaterra onde ocorrera um regicídio; nesse contexto de grande violência é que Hobbes vai construir e embasar sua obra. Nesta, menciona que no estado de natureza o homem é livre e racional e usufrui dessa liberdade tentando ganhar o que é do outro.

Segundo Hobbes, há três motivos para a discórdia entre os homens: (i) glória; (ii) competição; e, (iii) insegurança. Assim, a vontade de ganhar o que é do outro vai gerar grande competição e esta, um estado de guerra de todos contra todos.

O que o ser humano mais preza é o seu direito à vida e ao vir esse direito se desmoronando, cria o que Hobbes chama de homem artificial. E o Estado que na terra é soberano, só não o é perante Deus. Essa passagem do estado de natureza para o Estado se dá através da confecção do contrato social, momento em o homem abdica de sua liberdade natural em favor de seu direito à vida.

Por sua vez, Rousseau surge num momento extremamente turbulento (séc. XVIII), muito semelhante àquele de Thomas Hobbes, em que o rei também fora assassinado (Robespierre decapitado), mas ele não compactua com as idéias hobbesianas, ao contrário, simplesmente as nega com extrema veemência.

A diferença entre ambos já começa pelo tipo ideal de governo a ser adotado. Hobbes era um monarquista convicto enquanto Rousseau era republicano, acreditava no senso de justiça, o que ele chamava de vontade geral. Quanto ao estado de natureza, as diferenças são gritantes; Hobbes – seu precursor – acreditava na guerra de todos contra todos, enquanto Rousseau dizia que esse não era o estado de natureza do homem, mas sim, o estado atual em que o mesmo se encontrava. Para ele, o homem é livre, é igual e consegue viver de forma harmônica – o bom selvagem.

Enquanto Hobbes dizia que o Estado fora criado para zelar pelo direito à vida, Rousseau visualizava o zelo pela vida; aquele acreditava num Estado ideal e este, num ideal apenas; o Estado de Rousseau não era soberano ao contrário daquele hobbesiano.

*. Texto produzido para a disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa, sob a orientação da Profa. Msc., Leila Rabello.

Referências bibliográficas
CIVITA, Vitor. Grandes personagens da história universal. I ed., vol.5. São Paulo: Ed. Abril, 1973.
MOTA, Carlos Guilherme. Enciclopédia Abril. I ed., vol.6. São Paulo: Ed. Abril, 1972.
ROUSSEAU, Jean Jacques. NASSETI Pietro. Do contrato social. I ed. São Paulo: Martin Claret, 2005.
WEFORT, Francisco C. Os clássicos da política. I ed. São paulo: Ática, 2004.

Fernando Borges; Leonardo Góes; Ricardo Priule
Acadêmicos do 2º semestre de relações internacionais
no Unicentro Belas Artes.

*CHINA – potência do século XXI?

Meio século após a proclamação da República Popular da China (RPC), esse país continua sendo considerado por muitos analistas como uma nação fora dos padrões correntes de comportamento internacional. Depois de ter sido considerado, nas décadas de 1970/80 um regime político reformista e modernizador, nos anos 1990 o governo chinês vem sendo caracterizado como violador dos direitos humanos (represssão na Paz Celestial…) e opressor de minorias étnicas, na contra-mão da história. E mesmo o seu crescimento econômico, anteriormente tão elogiado, agora é enfocado a partir de seus custos sociais e ambientais, tendo sua fragilidade ressaltada a todo momento, sobretudo a partir da crise financeira asiática de 1997 (embora a China não tenha sido atingida).

Aplaudido como aliado da estratégia anti-soviética dos EUA nas décadas anteriores à crise financeira, seu potencial militar é hoje apontado como ameaça internacional. Afinal, no umbral do terceiro milênio, qual é a identidade e o rumo da China?

Em primeiro lugar, é necessário observar que a Revolução Chinesa combinou duas dimensões complementares: a social e a nacional. Enquanto buscava um caminho que desencadeasse a transformação das estruturas do mundo camponês (reforma agrária, emancipação da mulher, industrialização), o maoismo tratava de garantir a soberania do país e do regime implantado em 1949. Assim, nos anos 1950 a segurança foi prioritária, obtida através da aliança – por vezes sufocantes – com a URSS. Nos anos 1960, a independência e a autonomia passaram a ser as metas centrais, levando ao conflito sino-soviético. Nos anos 1970, a modernização e o desenvolvimento tornaram-se tarefas estratégicas, que implicavam na normalização das relações com os países capitalistas desenvolvidos.

Assim, após vinte anos de marginalização internacional e de complicados experimentos e conflitos internos (o pior de todos, a Revolução Cultural), a RPC aproximou-se do Ocidente e passou a ocupar o assento do país como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, em 1971. Durante a década de 1970, enquanto procedia-se a renovação da elite dirigente, a inserção internacional da China era empreendida com sucesso, num processo complementar. Desta forma, em 1978, o Partido Comunista Chinês (PCC) lançou uma política de reformas e modernização, sob a liderança de Deng Xiaoping. Desde então, o país vem experimentando um acelerado crescimento econômico e participando ativamente do cenário internacional.

A partir de então, a China jogou habilmente a cartada anti-soviética, conseguindo um tratamento privilegiado em termos econômicos (comércio, investimentos e cooperação tecnológica). As reformas na agricultura (via descoletivização), por sua vez, eram indispensáveis para eliminar pontos de estrangulamento da economia, permitindo a aceleração da industrialização, com o desenvolvimento de indústrias de bens de consumo para o mercado interno (equilibrando as trocas campo-cidade).

De outra parte, o estabelecimento da Zonas Econômicas Especiais permitiu a criação de plataformas de exportação que obtiveram divisas fortes, investimentos e tecnologia. Concomitantemente, enquanto o planejamento socialista era descentralizado (envolvendo as comunidades locais e flexibilizando os mecanismos de tomada de decisão), o mercado era centralizado, devido à integração entre as regiões e os ramos da economia. Era o que Deng Xiaoping denominou Economia Socialista de Mercado.

A estratégia das “Quatro Modernizações” (indústria, agricultura, defesa, ciência & tecnologia) encerrou definitivamente o maoismo, ainda que a figura do Grande Timoneiro continuasse sendo respeitada dentro do PCC e pela população. Isto implicava em outro aspecto crucial: a passagem da ênfase na luta de classes para enfatizar a modernização econômica, sinalizava para a própria diáspora chinesa a intenção de promover a reconciliação nacional. Na fórmula, um país, dois sistemas buscavam, precisamente, reincorporar os enclaves coloniais de Hong Kong (1997) e Macau (dezembro de 1999), atrair capitais e recursos humanos das comunidades de alem-mar (particularmente as do sudeste asiático) e, last but not the least, reunificar o país, criando uma federação com Taiwan.

Esse esquema teve notável sucesso nos anos 1980, com a economia crescendo 10% a.a., incrementando a renda per capita e melhorando a distribuição de renda (estímulo ao camponês). Contudo, uma mudança tão profunda também gerava instabilidade: divergências no partido sobre os limites das reformas, surgimento do desemprego, incremento da criminalidade e da corrupção e desequilíbrios setoriais e regionais. Além disso, o fim da Guerra Fria, no contexto da Perestroika, fez que a China deixasse de ser atrativa enquanto aliada internacional para os EUA. No mesmo sentido, o sucesso de seu desenvolvimento “heterodoxo” (como aliás, de toda Ásia oriental) passou a ser visto pelo Ocidente como uma crescente ameaça.

Neste contexto, em 1989, quando ruíam os regimes do leste europeu, ocorreu a manifestação e a repressão de Tiananmen; o bloco soviético desapareceria enquanto o socialismo do terceiro mundo (reformado ou não) sobrevivia na Ásia. Para muitos analistas, os dias do milagre e do regime chinês estavam contados, pois eram crescentes as pressões internacionais envolvendo direitos humanos, a ressurreição da questão do Tibete no Ocidente, o embargo comercial, a emergência de um discurso independente em Taiwan e o início de uma campanha antichinesa nos meios de comunicação e nas academias. Mas o país resistiu. O anunciado conflito pela sucessão de Deng Xiaoping nunca ocorreu e a reincorporação de Hong Kong deu-se sem sobressaltos maiores.

Ocorre que a China constitui o único país em desenvolvimento a fazer parte do condomínio do poder mundial, pois é dotado de indústria aeroespacial, sistema autônomo de mísseis, arsenal nuclear e integra o Conselho de Segurança da ONU. Além disso, sua economia atingiu certo grau de desenvolvimento que, aliada à soberania do país sobre certas decisões concernentes a essa área, fazem que ele tenha determinado peso na economia mundial e, igualmente, não possa ser arrastado tão facilmente por crises financeiras, induzidas por capitais especulativos. A economia chinesa cresceu ainda 8%, em 1998, e em 1999, em plena vigência da crise asiática, enquanto os analistas econômicos observam com apreensão a possibilidade de desvalorização da moeda chinesa.

Afinal, o desenvolvimento chinês representa um passado, em desaparição na virada do século, ou, pelo contrário, um paradigma para a superação da crise multifascética gerada pela globalização neoliberal? Sem dúvida a ênfase na industrialização e soberania do país contrasta com o modelo mundial vigente. Da mesma forma, o caráter de inclusão social do modelo societário, a manutenção do regime socialista de Partido-Estado e o peso das empresas estatais e comunitárias e do planejamento econômico evidenciam também um padrão divergente. Levando-se em conta que, segundo o fim da história, proclamado por Fukuyama, tal modelo já deveria ter desaparecido, é preciso refletir sobre o fenômeno com outros olhos.

Nas relações internacionais, a China defende um mundo multipolar no pós-Guerra Fria em lugar da neo-hegemonia norte-americana. Apesar das dificuldades e carências de um país em desenvolvimento, a população, depois de dois séculos de provações e privações, busca os benefícios do desenvolvimento e do mundo moderno. Mao afirmou, em 1949, que “a China finalmente estava de pé”. Talvez isto seja mais válido para 1999. Ironicamente, no décimo aniversário da repressão da Praça da Paz Celestial, os estudantes da China continental e de Taiwan saíram novamente às ruas, mas para manifestar-se contra o bombardeio americano à embaixada chinesa em Belgrado.

Para os asiáticos, a dimensão de tempo é vinculada à longa duração, e eles vivenciam o fim da era colonial, o que significa o declínio da expansão e hegemonia ocidentais. O desenvolvimento constitui uma “longa marcha”, e seus aspectos econômicos e políticos são, para os chineses, indissociáveis. A concepção vigente no país é a de que mais importante do que adotar a filosofia individualista e as instituições democrático-liberais ocidentais é ir fortalecendo as bases sociais de uma democracia enraizada nas lutas sociais, tradições e necessidades locais. Um argumento ambíguo, talvez, mas que não cabe às antigas potências espoliadoras daquele país julgar.

A China, o “Império do Centro”, não é apenas um país ou Estado-nação, mas uma civilização original e antiga com quase cinco mil anos de história. A etnia han é majoritária, enquanto as minorias étnicas representam apenas 6% da população, embora ocupando quase 60% do território. Pólo civilizacional mais desenvolvido do mundo no século XV, a China, desafiada por problemas internos e pela expansão européia, se isolou, estagnou e finalmente entrou em declínio. No século XIX, o imperialismo europeu em episódios como as Guerras do Ópio iniciou uma espoliação sistemática do país e a destruição de suas instituições sociais.

Em 1911, em meio à desagregação social e nacional, a dinastia manchú foi derrubada e a República proclamada. Seguiram-se décadas de guerra civil e anarquia, em meio a intervenções estrangeiras. No contexto destas, configuraram-se duas forças políticas antagônicas: o Partido Nacional (Kuomintang, vinculado aos proprietários de terra, burocracia e potências ocidentais), e o Partido comunista (PCC). Após a aliança concertada entre ambos para expulsar os invasores japoneses, reiniciou-se a guerra civil, que conduziu o PCC ao poder, com a proclamação da República Popular da China (RPC), em 1º de outubro de 1949, enquanto o Kuomintang refugiava-se na província insular de Taiwan sob proteção da VII Frota americana.

A República Popular da China é o país mais populoso do mundo com quase um bilhão e trezentos milhões de habitantes (oito vezes a população brasileira e mais de um quinto da humanidade) e o quarto mais extenso, com 9,5 milhões de km2 (quase a superfície brasileira). A esmagadora maioria dessa população está concentrada nas férteis planícies que cobrem apenas um quarto do território, enquanto o restante do país é composto por desertos (Gobi) e montanhas geladas (Himalaia).

*. Texto produzido para a disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa, sob a orientação da Profa. Msc., Leila Rabello.

Referências bibliográficas
AUDREY, Francis. China – 25 anos 25 séculos. São Paulo: Paz e Terra.
Revista de assuntos militares. www.militarypower.com.br
TAVARES DE OLIVEIRA, Carlos. China – o que e preciso saber. 1ª ed. São Paulo: Aduaneiras, 2004.
_______. O despertar da China: 1980-2002 – crescimento acelerado. 2ª ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002.

Simony Oliveira Andrade
Acadêmica do 2º semestre de relações internacionais
no Unicentro Belas Artes.

RELATO ACADÊMICO-PROFISSIONALIZANTE

RI / Belas Artes no MONU 2005
Por Sidney Ferreira Leite

O MONU 2005 ocorreu no período de 14 a 18 de dezembro, no Novo Hotel. Na cidade de São Paulo.

O Modelo de Organização das Nações Unidas, elaborado pelos alunos do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, é o maior modelo universitário realizado em língua portuguesa.

Reuniu estudantes das principais Faculdades e Universidades do Brasil, não apenas discentes de Relações Internacionais, mas de outros cursos também, como Direito e Comércio Exterior.

O principal objetivo do evento foi a difusão dos ideais e valores da Carta da ONU entre aqueles que, num futuro muito próximo, assumirão tarefas relevantes na representação do país no exterior, seja no campo da esfera pública ou privada.

Os preparativos para o evento tiveram início em outubro. Realizamos reuniões semanais (às quartas-feiras). Nessas, discutimos como seria a nossa atuação, esclarecemos as principais dúvidas dos alunos, indicamos obras de referência e definimos as estratégias a serem adotadas ao longo do Monu. Esses encontros foram fundamentais para o bom desempenho de nossos discentes no evento.

Cada aluno apresentou um position paper, resumindo a visão do país por ele representado acerca de dois temas previamente selecionados pela organização do evento. Munidos desse texto, participaram ativamente dos principais comitês simulados, isto é: Desarmamento e Segurança Internacional; Direitos Humanos; Comissão econômico-social para a Ásia e o Pacífico; Unesco; Comitê Jurídico; Conselho de Segurança; Liga dos Estados Árabes; e, Organização Mundial do Comércio.

Urge sublinhar que durante a realização do evento, os discentes do Unicentro Belas Artes assumiram, durante quatro dias, o papel de embaixadores de um determinado país na ONU e defenderam com afinco e convicção os interesses estratégicos e a política externa dessas nações em relação aos temas em pauta.

Nessa senda, foram desafiados a colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do curso no sentido de compreender os princípios, as normas e procedimentos da ONU; os conhecimentos sobre a política externa de todos os países que tiveram representação no evento, a imersão em um ambiente real e complexo; aprimorar as habilidades de negociação, desenvolver atividades em equipe, estimular o espírito de liderança e o intercâmbio de experiências.

Levando em consideração que foi a primeira vez que nossos alunos participaram desse tipo de evento pode-se afirmar, sem exagero, que a atuação foi surpreendente, pois, além de seriedade, demonstraram capacidade de articulação, boa oratória e disposição para aprender e crescer profissionalmente em um campo tão complexo e desafiador como o das Relações Internacionais.

Os alunos participaram de simulações e debates que ocorrem periodicamente na ONU. As experiências e vivências adquiridas foram preciosas e inigualáveis para a formação acadêmica. Além de estimular o desenvolvimento profissional, contribuiu para o amadurecimento pessoal de cada discente-partícipe. Em outras palavras, os alunos do Belas Artes vivenciaram a experiência de aprender fazendo.

Sugiro que para 2006 façamos um trabalho de esclarecimento a partir do primeiro semestre, colocando em relevo a importância do Monu para a formação dos alunos e estimulemos a formação de uma delegação ainda maior. Como também, relatar as experiências coletadas pelo grupo de alunos do Monu 2005.

Face ao exposto, pode-se concluir que a participação dos alunos marcou um tento não apenas para o nosso curso de Relações Internacionais como para o Centro Universitário Belas Artes, pois o mesmo propiciou aos seus discentes os valores mais elevados da educação: a capacitação profissional e, principalmente, o aperfeiçoamento da cidadania.

Urge sublinhar que o êxito experimentado pelos nossos alunos, no Monu 2005, deve-se em grande parte ao apoio institucional do Centro Universitário Belas Artes, do coordenador do curso de Relações Internacionais, do corpo docente e, em especial dos professores Demetrius Cesário Pereira e Feliciano de Sá Guimarães que atuaram diretamente na orientação dos alunos para o evento, além da colaboração deste missivista que, sem falsa modéstia, teve o privilégio de poder acompanhá-los ao longo da realização do evento.

Segue abaixo a relação de alunos que participaram do evento, com respectivos comitês de representação e semestres que cursam.

André Lucchesi
Turquia
AN3RI
Camila Araujo Pompei
Irlanda
AN2RI
Carla Fresarin
Irlanda
AN3RI
Caroline Fernandes
Cuba
AN3RI
Gianna Machado Maneti
Cuba
AN3RI
Gustavo Santos
Irã
AN5RI
Juliana Senna de Souza
Turquia
AN3RI
Márcio de França Lopes
Cuba
AN2RI
Oliver Seeger
Irã
AN2RI
Patricia Derolle
Turquia
AN5RI
Pedro Augusto Figueroa
Irlanda
AN7RI
Raquel M. Rennó
Cuba
AN5RI
Vasco Betinni Nunes
Cuba
AN2RI

 

Sidney Ferreira Leite
Doutor em História Social e Orientador-Acadêmico dos alunos de Relações Internacionais do Unicentro Belas Artes no MONU 2005.

Informe publicitário

· Atividades de Monitoria

A Febasp Jr – RI contará, a partir deste semestre, com 20 horas de monitoria, distribuídas ao longo da semana, cujas atividades envolverão o atendimento ao público interno e externo, assistência à formatação e gestão do Banco de Talentos, e ainda, aos GERIs – Grupos Empreendedores nas Relações Internacionais, dentre outras atividades.

Para o desempenho das tarefas acima, foi indicada Roberta do Prado, acadêmica do 5º semestre (AM5RI) – a qual já vinha colaborando nos trabalhos da EJ – para um mandato de dois semestres letivos.

· Implantação do CEMPPRI

Neste semestre, também terá início as atividades do Centro de Estudos, Estágios, Monografias, Projetos e Pesquisas em Relações Internacionais – CEMPPRI.

Trata-se do segundo laboratório específico (ao lado da EJ) do curso de Relações Internacionais, configurando atividades extensionistas, inicialmente coordenadas pela Profa. Dra. Luisa Moura, para um mandato de dois anos, a partir de sua posse.

O CEMPPRI abrigará, de modo progressivo, todo o nosso quadro docente de RI e discentes que demonstrarem interesse de participar de suas atividades, cujas áreas de atuação, além de RI, abrangerá ainda a arte, a cultura, a educação e a tecnologia.

Através deste Centro, intensificaremos e alargaremos nossas parcerias tanto no âmbito nacional quanto internacional.

Expediente

Editor e revisão técnica:

Raimundo F. de Vasconcelos

Supervisão Geral

Luisa Moura

Revisão de texto

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Conselho editorial

Raimundo F. de Vasconcelos
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Convidados

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Henrique Altemani de Oliveira
Maria Aparecida Alcântara
Dermi Azevedo
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Revista on-line do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.