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Revista on-line do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

No. 2 – nov / 02 a jan / 03

sumário

  • Editorial
  • Cenários
  • Regionalização em foco
  • Especificidade cultural
  • Eventos
  • Na agenda
  • Dicas de leitura
  • Resenhas & Sinopses
  • SOS da Linguagem
  • Recreio literário
  • Informe publicitário
  • VESTIBULARES
  • ENTREVISTAS
  • Expediente

DATA VENIA é a revista eletrônica do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. De periodicidade trimestral, seu conteúdo não necessariamente coincidirá com o pensamento da FEBASP, mantenedora desta Instituição, mas será de inteira responsabilidade dos autores que subscreverão suas respectivas matérias.
As colunas serão alimentadas pelos professores do Curso, contando-se também com a colaboração do alunado, da Comunidade Febaspiana como um todo, e apenas marginalmente, ocorrerá a participação de colaboradores externos à Instituição.

Além de divulgar as notícias relacionadas ao Curso, as matérias publicadas reportar-se-ão às sociedades nacional e internacional, através de textos inéditos e não muito extensos, acolhendo-se também material redigido nos idiomas inglês e espanhol.

O conteúdo divulgado em DATA VENIA pautar-se-á pelo balizamento ético e pluralismo das idéias, as quais autoriza-se sua reprodução por quaisquer meios desde que se mencione suas respectivas fontes.

Editorial

A esperança venceu o medo

O historiador Eric Hobsbawn [em: Era dos Extremos – o breve século XX] definiu o Brasil como “um monumento à negligência social”. De fato, há muito sabemos de nossas riquezas, principalmente naturais, a conviver com a pobreza material, intelectual e política acometidas sobre a maior parte dos brasileiros. A pobreza qualificada pelos dois últimos termos em grande parte justifica o qualitativo inicial dessa trilogia, e até mesmo sua perpetuação.

Somos afinal um país de contrastes: rico e ao mesmo tempo pobre; injusto e ofertante de oportunidades; e eis que da segunda pior distribuição de renda do planeta [Serra Leoa detém esse indigesto troféu] surge um magnífico exemplo de ascensão social: uma vez metalúrgico…outra presidente.

Cinqüenta e três milhões de brasileiros não tiveram receio de confiar a Luiz Inácio Lula da Silva, o diploma de Presidente do Brasil, aliás, o primeiro de sua vida. Ele o recebe, agradece e chora, como se ainda não acreditasse em tamanho feito, mas os números expressam e ratificam o quantum de legitimidade, confiança e sobretudo de esperança num futuro melhor. Ratificam também o segundo lugar no ranking mundial de presidentes eleitos com expressiva votação [Ronald Reagan em primeiro]. E confirmam ainda a existência de elementos repetitivos na história [Lech Walessa que o diga].

Lula da Silva parece consciente de que a dimensão de seu feito não é menor do que ainda terá de fazer, resguardadas as devidas proporções. Resta saber se a maior parte de seus eleitores consciente está dessas proporcionalidades, das factibilidades, enfim, das distâncias entre o possível e o realizável e em que prazos ambos convergirão.

Nosso regime presidencialista e nossa cultura política contribuem para a (con)fusão entre governo e governante, da qual resulta a figura onipotente de um salvador da pátria. O próprio presidente eleito, quando ainda em campanha, apontava nessa direção, ao falar da necessidade de um “displomado” para sanar os males de nossa esfera educacional. Por ora, Basta lembrar de que, no âmbito governamental, o atendimento das demandas internas da nação provém das (i) atitudes não apenas emanadas de seu principal mandatário, mas também do (ii) esforço e dedicação de toda a equipe que o cerca; das (iii) políticas implementadas e em que direção; dos (iv) recursos disponíveis interna e externamente; (v) do ingresso de capitais externos sob a forma de investimentos [isso se as arriscadas agências de risco não os afugentar]; além da (vi) redução do protecionismo comercial, principalmente na área agrícola. Decorrente disso, a presença de um “displomado” na equipe é mero detalhe a certificar a exceção de que toda regra carece.

Severa mesmo é a escassez de recursos a estreitar a margem de manobra no cumprimento das promessas realizadas. Mas prometeu é bom cumprir a fim de evitar, aí sim, o medo de não se ter mais esperança.

Não esperemos por milagres, mas ao menos no plano interno, contamos com mudanças qualitativas no direcionamento da política econômica, pois se nem só de pão vive o homem, muito menos só de estabilidade de preços viverão os brasileiros.

Já no plano externo, dependeremos mais do que nunca da capacidade negociadora do Itamaraty, a fim de tirarmos proveito do relacionamento com um mundo globalizado, porém assimétrico.

Precisamos lutar pela construção de uma via de mão dupla para o comércio internacional, na qual as portas se abram de fora pra dentro, e também, de dentro pra fora. Desta forma, poderemos encher os pratos da balança, mas sem esvaziar o dos brasileiros.

Que o exemplo de democracia, maturidade política e solidez institucional, demonstrado pelo Brasil, sirva de alavanca para impulsionar nossa auto-estima, ampliar nossa capacidade de escolha, enfim, concretizar os nossos sonhos ou ao menos fazer que não deixemos de sonhar.

Raimundo Ferreira de Vasconcelos

Cenários

O dogmatismo conservador: quem tem medo na América Latina? – Parte I

“O conceito de poder é sociologicamente amorfo. Todas as qualidades imagináveis de um homem e todas as espécies de associações possíveis podem colocar alguém na posição de impor a sua vontade em uma determinada situação. O conceito de dominação deve por isso, ser mais preciso e só pode significar a possibilidade de que um mandato seja obedecido”. Max Weber .

Em recente editorial , o jornal O Estado de São Paulo fez crítica contundente aos primeiros pronunciamentos do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, em temas de política externa para a América Latina. O centro das preocupações do editorialista foi a manifestação de Lula da Silva a favor de uma integração política da América Latina por meio da instituição de um Parlamento latino-americano nos moldes do Parlamento da União Européia.

A resistência às considerações do futuro presidente, e o temor das suas repercussões entre nossos vizinhos, contidos no presente editorial, sugeriam atar o futuro governo ao conhecido nó górdio do dogmatismo conservador em relações internacionais. Dogmatismo que tem imobilizado nas últimas quatro décadas toda a ação externa de nossos presidentes, quando o assunto é nossa relação com a América Latina. Nesse caso, o falso dogma conservador seria, em tese que: qualquer proposta de integração sul-americana, lançada por nossos presidentes, constituí intervenção descabida à autodeterminação de nossos vizinhos, e por princípio, serão por eles consideradas ilegítimas e descartadas a priori.

O dogmatismo em relações internacionais, tão francamente defendido e exposto no referido editorial, é mais um exemplo da dificuldade que o conservadorismo militante impõe aos nossos governantes, quando esses tentam formular princípios de ação para a política externa do Brasil. Dessa vez, o pito conservador quem leva é Luiz Inácio Lula da Silva.

O que impede que tenhamos um princípio efetivo multipartidário em política externa, ou em termos menos acadêmicos, um consenso político nacional em temas de política externa, que o legitime, é o dogma conservador do “não agir politicamente” em termos propositivos. Dogma que o editorialista defendeu com naturalidade. Devemos acatar agendas multilaterais, propostas por outros e negociadas entre muitos em agências e organismos internacionais. Meteremos nossa colher nessas agendas, defendendo nossas “necessidades adaptativas” (termos do editorial), quando e se formos convidados a usar a palavra, bem entendido.

Antes de se propor a identificar as confusões de Lula sobre política externa, o editorial deveria ter evitado de produzir as suas próprias. Quando compara MERCOSUL a União Européia é inequívoco o desconhecimento dos fatos históricos europeus dos anos da guerra fria. Afirmar, sem mais nem menos, que economia e política andavam desvencilhadas nesses anos, e que o maniqueísmo do conflito leste-oeste, o cheiro de guerra no ar, entre 1947 e 1994, não eram paradigmas políticos e institucionais que povoavam a mente até do mais comum dos cidadãos europeus, e em seu caldo nasceram as instituições econômicas da Europa atual, é algo difícil de se aceitar.

Uma Europa repartida entre os esquemas de segurança dos exércitos hostis de duas superpotências nucleares (OTAN e Pacto de Varsóvia), era também a Europa que se repartia entre dois modelos de economia e integração. Integração de capitalistas ou integração de estados socialistas burocráticos: economia de mercado ou socialismo de estado, CEE ou COMECOM. Paradigmas da guerra fria eram paradigmas de segurança político-militar… e paradigmas políticos de integração econômica. Duas superestruturas de integração (termo utilizado no editorial) se digladiaram na Europa por quatro décadas até que, finalmente, a capitalista suplanta em definitivo a socialista burocrática. Isso se considerarmos, como fecho desse processo, o relevante ato político da Comunidade Econômica Européia, este ano, de assumir o ônus de integrar-se as economias do leste europeu. Lembrando de que esse ato é muito mais que simbólico: essas economias são sobreviventes do ocaso estatal comunista; com suas burocracias imensas, ineficiências fiscais e baixos índices de produtividade. Riscos políticos e econômicos à integração européia, ônus testado em menor escala por Helmut Kõln, ao integrar alemães orientais e ocidentais sobre a mesma República Federal Alemã.

A esfera da economia não se desvencilha tão facilmente da esfera política, no discurso, como pretendem os ativistas do dogmatismo conservador em relações internacionais. Pelo menos, não quando fatos da história estão ainda frescos em nossa memória.

Passando ao largo da história, aquele editorial fugiu da verdadeira questão por traz das declarações do futuro presidente: quais são as “dificuldades objetivas para que a integração avance”? Quem tem medo da integração política? E por que?

Como o editorialista não nomeia diretamente quem reage com perplexidade às declarações de Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil ou no exterior, só podemos inferir que ele se utiliza de outro dogma conservador que afirma que, em política, deve-se nomear sempre as partes pelo todo, para confundir os adversários. Esse segundo dogma – verdadeiro erro de metonímia política, o tão conhecido “l’etat c’est moi” – pretende que se confundam os eventuais partidos no governo com a estrutura administrativa do próprio governo de uma nação – ou o que é pior nesse caso, com o “espírito vivo” de uma nação.

Devemos evitar a malícia (contida no editorial) e nos formular a pergunta em termos conceituais explícitos: que parcela significativa das forças conservadoras no Brasil, ou entre nossos vizinhos, se sentem perplexas com os ideais de Luiz Inácio Lula da Silva? Que há tanto aqui no Brasil, como acolá, por traz de nossas fronteiras, quem tema o PT e Lula da Silva, o próprio editorialista nos confirma, ao nos lembrar “quão rombudamente investiu Carlos Menem contra o então presidenciável petista” (palavras do editorialista). Contudo, é fato reconhecido por todos, o equívoco de se acreditar que representaria a legitima voz da nação o bordão desse dogmatismo conservador, o “tenho medo” inserido na campanha eleitoral de 2002. Cinqüenta e dois milhões de brasileiros solenemente o ignoraram, e o descartaram junto com o candidato oficial, que o lançou na mídia. O fato incontestável, nas recentes eleições, é que esse dogmatismo conservador não representa o “espírito da nação”, e esse bordão de intenção política duvidosa foi deslegitimado pela sociedade brasileira.

Se é claro, pelo exposto acima, que a perplexidade dogmática, neste caso, se restringe e alcança somente as hostes dos leitores do jornal O Estado de São Paulo, e não pode ser imputada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, nem às Forças Armadas do Brasil, ou aos partidos vencedores na eleição de outubro e seus eleitores, falta legitimidade para afirmar que os conservadores brasileiros ao se indignarem, quem de fato se indigna é a nação brasileira ou as demais nações sul-americanas. Ou, o que é pior, por serem o “espírito vivo” da nação esses conservadores sabem o que é bom senso em política nacional ou externa. Aliás, inclusive, para imporem essa falsa distinção entre política nacional e externa, de “internalidades” e “externalidades” da práxis política no exercício político da presidência. Como se a arte da política em um mundo globalizado comportasse as conceituações de manuais de teoria política dos tempos do Marquês de Pombal. O Brasil é uma república presidencialista. Não temos no Brasil divisão executiva do poder da presidência. Por ser presidência é poder soberano, e por ser soberano é indivisível. Luiz Inácio Lula da Silva será o presidente do Brasil, em 2003, não só dentro do país mas no exterior também.

A questão a saber, e de importante conceituação, é se a sociedade brasileira que legitimou a esse presidente no Brasil, e a esse espírito de mudança, tem a legitimidade necessária, junto às demais sociedades latino-americanas, para propor a integração política do continente. Seria esse espírito de mudança legítimo de ser divulgado pelo futuro presidente do Brasil aos seus interlocutores no continente – sejam eles presidentes ou líderes oposicionistas em seus respectivos países?

A legitimação desse espírito de mudança não será, como poderiam pensar os mais afoitos, o compromisso de nossos vizinhos com o projeto político de Luiz Inácio Lula da Silva, ou com os objetivos nacionais brasileiros. Mas ela poderá ocorrer se essas sociedades sentirem que, no Brasil, há um movimento de mudanças nos valores políticos similar aos seus. A possibilidade existe. Isso se pensarmos, no caso, a representação política real das sociedades sul-americanas não a sua idealização conservadora. Ao contrário do que afirmou o editorial, ou deixa transparecer nas entrelinhas, foi-se os tempos das ditaduras latino-americanas, dos “homens fortes”, dos consensos oligárquicos. A democracia é a moeda corrente das negociações políticas no continente. Situações e oposições partidárias latino-americanas têm muito a propor e negociar em termos de integração econômica no continente.

Os conservadores brasileiros poderiam afirmar que essa democracia sul-americana é frágil. Olhariam para a Venezuela, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru e diriam, provavelmente, que seria uma temeridade integrar o continente por meio da institucionalização de um processo parlamentar latino-americano. As propostas de “mudanças radicais” vindas de países com governos e partidos “radicais” como o Brasil impediriam o “consenso” com as elites latino-americanas que passam por crises, como as dos países citados acima. Ou pior, talvez agravassem essas mesmas crises internas. O temor da “contaminação radical” dos anti-globalização desencadeando a variante ibero-americana do bordão conservador brasileiro: “tengo miedo que venga a nacer un Lula en mi pais”.

Só que esse seria um falso alarme. A contaminação em parte já ocorreu, se por contaminação os conservadores pensam ser a identificação de valores comuns entre as oposições partidárias no continente e o fenômeno eleitoral petista. Só para citarmos um caso, o que dizer, por exemplo, acerca das negociações de um publicitário brasileiro, vencedor das eleições de novembro, com um pré-candidato às eleições presidenciais argentinas? Seria um exemplo de “intromissão” indevida do Brasil nos assuntos internos da Argentina se um partido brasileiro mantivesse contatos com partidos argentinos? O Brasil infringiu a autodeterminação dos povos, ao exportar o marketing das mudanças? Nesse caso seria mais justo argumentar que teria havido uma convergência entre setores excluídos da política partidária argentina e o fenômeno petista; uns querendo exportar seu prestígio político recém adquirido, outros, na sua ausência, tomando-o emprestado para se lançarem na arena eleitoral.

As visitas do presidente eleito à Argentina e ao Chile, bem como os contatos que ele manteve em 6 de dezembro, na Granja do Torto, com os presidentes e chanceleres que vieram a Brasília para o Encontro de Chanceleres do MERCOSUL, demonstra que o editorial subestimou o entendimento dos líderes latino-americanos sobre as propostas de Lula da Silva. No Chile, o presidente Ricardo Lagos afirmou que seu país poderia participar do MERCOSUL se ele for concebido de outro modo, que não uma simples união tarifária. Citou como exemplo, a possibilidade do MERCOSUL ser uma união política que tratasse de assuntos macroeconômicos, câmbio e integração dos países sul-americanos. Ora, o editorialista poderia afirmar ser Ricardo Lagos um socialista, e, mesmo adotando seu governo a linha econômica liberal, simpatizaria com os temas da agenda latino-americana do PT e do futuro presidente do Brasil. Contudo, se assim o fizesse, estaria confirmando que o “temor da integração”, o “temor a Lula” é do conservadorismo, até mesmo no Chile, e não dos latino-americanos em si mesmos.

A tentativa de reduzir a margem de manobra do presidente eleito, ao cercear seu direito de propor a integração latino-americana, com o argumento pífio de que a proposta é ingênua, mas desculpável por vir de quem é noviço nas relações internacionais, não se sustenta nos fatos. O sintético bom senso do editorialista colide com a complexidade das negociações comerciais no continente. Só para ficarmos no exemplo chileno, pensemos nos acontecimentos em torno da visita de Lula da Silva ao presidente daquele país. Ricardo Lagos afirmou não haver interesse em integrar-se ao MERCOSUL se ele fosse uma simples união aduaneira. Essa tão categórica afirmação não era fortuita, muito menos inflexível. Era a retórica realista de um governo que estava para receber alguns dias mais tarde a visita do representante dos EUA, que apresentaria a agenda George W. Bush para o acordo bilateral de comércio entre os dois países. Quem acompanhou esse segundo encontro percebeu que o Chile não está perdido para o MERCOSUL.

O presidente Ricardo Lagos foi surpreendido por uma proposta que, em síntese, nada cedeu ao Chile, mas muito dele cobrou. George W. Bush bateu de frente com a agroindústria e o setor farmacêutico chilenos, ao revelar sua intenção de levantar barreiras alfandegárias à importação de laticínios, e contestar o prazo das patentes de remédios fabricados no Chile. Sem nada ceder em troca, ficou claro que a intenção de George W. Bush é usar o precedente do que for negociado com o Chile para formular sua agenda para a ALCA, em 2003. Como Ricardo Lagos afirmou que só assinará o acordo bilateral com os EUA se ele for de fato bom para o Chile, há espaço e tempo hábil para o governo brasileiro semear alianças dentro do Chile, com os setores descontentes com a proposta dos EUA, e fora do Chile, com os setores que se sentem ameaçados com a postura de Washington. Portanto, o futuro governo do Brasil não tem porque abrir mão de lançar à mesa do MERCOSUL sua própria agenda, que inclui a integração rápida do Chile, Bolívia e países andinos.

A batalha pela legitimidade na América do Sul não está comprometida, pela camisa de força das “necessidades adaptativas”, como afirmou o editorialista. Se nesse ponto se revela a questão da legitimidade, é que ao contrário do que pensou o editorialista, essa sim não pode ser posta de lado em nome da eficiência da ação política do estado brasileiro no exterior. Por o carro na frente dos bois, no caso, é ser “eficiente” no sentido conservador e legitimar-se na sociedade que nega esse conservadorismo depois. A afirmação vale tanto no Brasil como no Chile. A “ineficiência” do trator diplomático de Washington, em Santiago, é evidente: até uma economia que se sente “integrada” ao modelo George W. Bush de comércio se sente obrigada a não legitimar esse modelo.

Difícil será explicar à nação brasileira que as negociações em torno da ALCA e do MERCOSUL devam ser, em nome do “realismo” dos conservadores brasileiros, um mero jogo de cena. Difícil será manter a legitimidade do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva se os índices socio-econômicos de seu governo forem piores do que os de FHC, e por não ter ele rompido com as causas do enfraquecimento e erosão da capacidade produtiva da nação, ao se submeter ao “bom senso” de ser omisso na sua agenda política – e agradar aos dogmáticos conservadores brasileiros – ao desistir de construir uma alternativa legitima de integração no continente.

Impor o cronograma da ALCA como fatídico, e afirmar que não importa o que se negocie, deve Luiz Inácio Lula da Silva acatar a agenda de George W. Bush no dia D da assinatura do acordo, será enterrar mais um presidente brasileiro na vala comum desse “dogmatismo conservador” em relações internacionais. Não importa quais sejam as conseqüências de uma administração federal omissa em seus deveres externos, como o editorial do Estado de S. Paulo tão orgulhosamente propôs, o que importa é que serão mais algumas décadas perdidas para o Brasil e a América do Sul, na sua luta pela sobrevivência.

Paulo Tempestini
Doutor e mestre em Ciência Política
Professor do curso de Relações Internacionais do
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo

Regionalização em foco

Alca: prossegue nova fase de negociação apesar da conjuntura

Após as reuniões do Comitê de Negociações Comerciais (CNC) realizadas na Venezuela, no Panamá e na República Dominicana durante 2002, definiu-se que a negociação da Alca se desenvolveria em duas frentes: de um lado, os grupos de negociação que continuaram a trabalhar nos rascunhos que compuseram o acordo de consenso na reunião ministerial de novembro, no Equador; de outro, começou a etapa de apresentação de ofertas e demandas de liberalização para a negociação de acesso a mercados.

Verificou-se uma espécie de impasse das negociações da Alca nos últimos meses. As causas são pelo menos duas. A primeira foi o impacto que a política comercial dos EUA tem provocado no comércio hemisférico e mundial depois de levantar barreiras à importação de aço, aprovar novos subsídios à agricultura (Farm Bill) e indicar restrições à 521 produtos depois de autorizar o TPA (Trade Promotion Autority). A segunda causa é também preocupante: há um aumento significativo nos movimentos de negociações preferenciais sub-regionais ou bilaterais entre EUA e países da América Latina e Caribe, como se tem observado com o Chile, alguns países centro-americanos, e países caribenhos. O resultado do processo é um enfraquecimento de um projeto de liberalização hemisférico e o crescimento de movimentos “anti-Alca” em outros países latino-americanos em geral e no Brasil em particular. Pode-se dizer que na atual conjuntura, por razões diversas, tanto os Estados Unidos quanto o Brasil têm menos interesse na integração hemisférica do que já tiveram a tempos atrás. Os dois países enfrentaram arranjos políticos fundamentais para a redefinição de suas políticas comerciais. O Brasil enfrentou eleições gerais em outubro e o novo presidente já acenou acertadamente para posições mais duras em relação ao processo de integração hemisférica. Nos Estados Unidos, alcançada a maioria de representantes na Câmara e no Senado, o presidente Bush assumiu condição de força para fortalecer sua capacidade de ação política comercial. Permanecem, no entanto, resistências internas à Alca na sociedade americana.

Apesar da conjuntura, o processo negociador continua sua programação seguindo o que havia sido decidido em Buenos Aires, em abril de 2001, e reiterado em Quito, no mês passado. Está praticamente terminado o debate sobre métodos e modalidades e iniciadas as negociações de acesso a mercados em cinco grupos: agricultura, acesso a mercados, compras governamentais, serviços e investimentos. Está definido um período de dois meses, entre 15 de dezembro de 2002 e 15 de fevereiro de 2003, para apresentação das primeiras ofertas de liberalização para que depois, a partir de 15 de julho de 2003, ocorra a apresentação das ofertas revistas. A tarifa base para início das negociações também já está definida. No caso do Mercosul e outros blocos sub-regionais está permitido o ajuste da TEC até 15 de abril de 2003 quando deverá ser finalmente notificada a tarifa base. Está também definido que todo o universo tarifário poderá ser negociado mas não necessariamente eliminado. Em princípio, a desgravação será linear seguindo um cronograma para quatro grupos de produtos com desgravação imediata, em 5 anos, 10 e mais de 10 anos. Um grupo ad hoc será constituído em setembro de 2002 para negociar regras de origem.

A negociação em duas frentes é uma tentativa de incentivar as negociações. Os esforços da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB) na intensificação do diálogo com o governo têm sido fundamentais para a definição e representação dos interesses da economia brasileira. Já se sabe que setores como o agribusiness, bebidas, cosméticos, siderurgia, têxteis, papel e celulose, calçados e couro, e partes do setor químico apresentam competitividade na luta pelos mercados externos. É chegado o momento de reduzir o custo Brasil e adotar uma estratégia de inserção comercial que não comprometa setores mais sensíveis, justamente aqueles que mais empregam. O esforço negociador após Quito continua. 2003 será um ano decisivo e as negociações devem se intensificar quando a secretaria administrativa se mudar para Puebla, no México. O Brasil deve seguir firme na defesa de seus interesses, fazendo que a combinação de balança comercial favorável com redução do impacto no emprego sejam prioridades para o desenho do futuro acordo.

Christian Lohbauer
Doutor em Ciência Política e membro do GACINT/USP.
Coordenador do Curso de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.

Caminhos da humanidade...

Conferência Mundial sobre Direitos Humanos: 10 Anos

Introdução

A reafirmação do valor da dignidade humana e a vinculação entre democracia, direitos humanos e desenvolvimento, além do caráter de universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos, são os pontos centrais da Declaração e do Programa de Ação de Viena, aprovados, entre 14 a 25 de junho de 1993, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, promovida pela ONU, na capital austríaca. Viena também aprovou, por consenso e por unanimidade, por parte dos governos de 171 Estados, a legitimidade da efetiva intervenção internacional diante de sérias violações de direitos humanos, contribuindo, assim, para que o tratamento dado pelos governos aos cidadãos deixasse de ser uma exclusividade da jurisdição doméstica.

Neste artigo, serão destacados o contexto dessa Conferência, seus principais resultados, a colaboração que envolveu a ONU, os governos dos Estados-Nações a ela filiados e os 3.000 representantes de 1.500 ONGs e povos indígenas de todo o mundo, para que os seus objetivos fossem atingidos. De 10 a 12 de junho de 1993, no mesmo espaço da Conferência oficial, foi realizado um Fórum Mundial de ONGs sobre o tema “Todos os Direitos Humanos para Todos”, com o objetivo de acompanhar os trabalhos da Conferência oficial e de encaminhar, aos representantes dos Estados, as recomendações da sociedade civil internacional para a atuação da ONU e dos governos no campo dos direitos humanos.

O lobby das ONGs teve influência decisiva na formulação final dos documentos de Viena. A participação dessas organizações foi preparada, por meio de um longo processo de construção de consenso, em conferências regionais preparatórias realizadas, a partir de 1992, em Túnis, Bangkok, Quito, Atlanta e Lund, na Suécia.

Antecedentes

A primeira Conferência Mundial de Direitos Humanos foi realizada pela ONU, em Teerã, tendo ainda, como anfitrião, o regime do xá Reza Pahlevi, notoriamente conhecido como promotor de violações a liberdades fundamentais. A principal ênfase da Conferência de Teerã foi dada ao direito de desenvolvimento. O contexto da época, imediatamente posterior à etapa da descolonização, favorecia um amplo debate sobre o desenvolvimento, conceituado, entre outros autores, pelo papa Paulo VI, em sua encíclica Populorum Progressio (“Sobre o Progresso dos Povos”), como “a passagem de condições menos humanas para condições mais humanas de vida”.

Vinte e cinco anos depois, as Nações Unidas chegaram à conclusão sobre a necessidade de promover um amplo debate internacional sobre a situação dos direitos humanos no mundo, em termos de avanços e retrocessos, no contexto das mudanças no cenário internacional. O cenário desse debate foi a cidade de Viena, a pouco mais de 100 km da antiga Iugoslávia, um dos palcos mais destacados de violência e de guerra, no Pós-Guerra Fria. O processo de preparação da Conferência de Viena começou oficialmente, em 1989, quando a Assembléia Geral da ONU solicitou à Secretaria Geral que coletasse as posições dos governos, dos órgãos da ONU e das ONGs sobre a realização de uma conferência mundial para analisar as questões mais cruciais sobre o papel das Nações Unidas na promoção e proteção dos direitos humanos. A proposta foi bem recebida e a preparação imediata dos trabalhos foi iniciada, em 1990, por decisão da Assembléia Geral. Foi constituído um Comitê Preparatório e as tarefas executivas foram atribuídas ao Centro de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.

Sempre por consenso, foram definidos cinco pontos para a agenda de Viena: a comemoração do Ano Internacional dos Povos Indígenas, em 1993; os progressos realizados, na área dos direitos humanos, desde a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU, em 1948; o relacionamento entre desenvolvimento, democracia e o acesso universal de todos os seres humanos a todos os direitos humanos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos; novos desafios para a efetivação dos direitos humanos de mulheres e homens, inclusive os direitos das pessoas pertencentes a grupos vulneráveis e o aprofundamento da cooperação internacional no campo dos direitos humanos. Três pontos complementares foram sugeridos à consideração da Conferência: a ratificação universal dos Pactos Internacionais de direitos econômicos, sociais e culturais e de direitos civis e políticos, além de outros instrumentos básicos de direitos humanos e a atribuição de pelo menos 0.5% dos orçamentos da cooperação para o desenvolvimento a programas de direitos humanos, por se considerar a limitação financeira como um obstáculo para as atividades da ONU nesse campo; a criação de um Alto Comissariado [da ONU] para os direitos da ONU e de uma Corte Internacional para os Direitos Humanos.

Em novembro de 1992, 41 Estados africanos reuniram-se em Túnis, na Tunísia, para a sua Conferência Preparatória, que destacou a preocupação, dos governos e das ONGs, com a escalada no número de refugiados e de pessoas deslocadas de suas casas e países, na África, além da relação entre os direitos humanos e a legislação humanitária. Túnis destacou também o compromisso dos Estados africanos com a Declaração de 1948 e com os princípios da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos.

Por sua vez, em janeiro de 1993, a América Latina e o Caribe realizaram a sua Conferência em San José, na Costa Rica. Debateram, entre outros pontos, o tráfico ilegal de armas e de drogas, a militarização da sociedade e a falta de um sistema independente de justiça, como obstáculos aos direitos humanos. A Declaração de San José afirma que “a paz, a democracia, o desenvolvimento e o bem estar social são essenciais para a realização dos direitos humanos”. Finalmente, a preparação, para Viena, dos países em desenvolvimento foi completada na Conferência de Bangkok, na Tailândia, em março e abril de 1993, com a participação de governos e ONGs de 40 países asiáticos. A Declaração de Bangkok enfatizou a necessidade de considerar os direitos humanos nos respectivos contextos regionais e nacionais, com o respeito aos princípios da soberania nacional e da não interferência nos assuntos internos dos Estados-Nações. Destacou ainda que “os principais obstáculos à realização do direito ao desenvolvimento registram-se em nível macroeconômico internacional, como o que ocorre no fosso profundo entre o norte e o sul, entre os ricos e os pobres”.

A participação brasileira

O marco principal da preparação do Brasil para a Conferência de Viena foi o do processo de transição para a democracia, a menos de 10 anos do término do regime ditatorial de 1964. Nesse processo, interagiram, de forma inusitada, após mais de 20 anos de obscurantismo, os representantes do Estado e da sociedade civil, sob o patrocínio do Ministério da Justiça, foi estabelecida uma “agenda comum” sobre direitos humanos. Para debatê-la, foram realizados diversos seminários, em Brasília e em outras capitais. O governo brasileiro assumiu, diante das ONGs, o compromisso de considerar, nas propostas oficiais do Brasil, em Viena, o ponto de vista das organizações não-governamentais. Pela primeira vez, desde o fim da ditadura militar, as ONGs foram chamadas a cooperar com o governo – e também com os Poderes Legislativo e Judiciário – na formulação de propostas de políticas públicas, envolvendo, inclusive, o enfrentamento do crime organizado.

Essa dinâmica foi integralmente cumprida em Viena. Todos os dias, durante a Conferência, reuniram-se, no Palácio de Convenções, sede dos trabalhos, ministros, juristas, parlamentares e representantes das ONGs, para um debate franco e aberto sobre as propostas do Brasil nesse evento.

O Brasil teve, também, uma participação destacada na construção do consenso que resultou na aprovação da Declaração e no Programa de Ação de Viena. Nesse sentido, tiveram um papel essencial os diplomatas Antonio Augusto Cançado Trindade e Gilberto Saboya e o jurista Paulo Sérgio Pinheiro.

Entre as ONGs brasileiras presentes em Viena, destacaram-se as entidades filiadas ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e as organizações feministas, indígenas e indigenistas. As mulheres e os representantes dos povos indígenas constituíram-se no mais organizado e atuante lobby da Conferência de Viena. A militante guatemalteca, Rigoberta Menchu – que receberia, depois, o Prêmio Nobel da Paz -, teve um papel destacado em Viena, por defender, ao mesmo tempo, os direitos dos indígenas e os direitos das mulheres.

Declaração de Viena

A Declaração de Viena, resultante de todo um processo de negociação, item por item, pode ser resumida em 15 pontos:

1. A promoção e a proteção dos direitos humanos – é uma questão prioritária para a comunidade internacional e a conferência é uma oportunidade única para analisar, em profundidade, o sistema internacional de direitos humanos e os mecanismos de proteção, para que esses direitos sejam promovidos, de forma justa e equilibrada.

2. Todos os direitos humanos têm sua origem na dignidade e no valor da pessoa humana e este é o sujeito central dos direitos humanos e das liberdades fundamentais; deve, pois, ser o principal beneficiário desses direitos e liberdades e deve participar ativamente sua realização.

3. Todos os Estados têm a responsabilidade de promover e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos, sem distinção de raça, sexo, idioma ou religião.

4. Homens e mulheres, e Estados grandes e pequenos devem ser tratados com base na igualdade de direitos.

5. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) é uma meta comum para todos os povos; é a base em que foram e são fixadas as normas contidas nos instrumentos internacionais de direitos humanos, particularmente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

6. Devem ser adotadas medidas eficazes para garantir, vigiar a aplicação das normas de direitos humanos com relação aos povos submetidos à ocupação estrangeira.

7. São preocupantes as violações dos direitos humanos durante os conflitos armados que afetam a população civil, particularmente as mulheres, as crianças, os idosos e os portadores de deficiências. Os Estados e todas as partes envolvidas em conflitos armados devem observar estritamente o direito humanitário internacional, estabelecido nos Convênios de Genebra, de 1949 e nas outras regras e princípios de direito internacional.

8. São preocupantes as várias formas de discriminação e de violência a que continuam expostas as mulheres em todo mundo.

9. Sendo 1993 o Ano Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, deve ser reafirmado o compromisso da comunidade internacional com os direitos humanos desses povos e com o respeito ao valor e à diversidade de suas culturas e identidades.

10. O caráter universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais não admite dúvidas.

11. Todos os povos têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito, determinam livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

12. Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes e estão relacionados entre si. Os direitos humanos devem ser tratados de forma global e de maneira justa e eqüitativa, em pé de igualdade recebendo todos o mesmo peso.

13. Deve ser levada em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, assim como dos diversos patrimônios históricos, culturais e religiosos, mas os Estados têm o dever, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais, de promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

14. A democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente.

15. A democracia baseia-se na vontade do povo, livremente expressa para determinar seu próprio regime político econômico, social e cultural e em sua plena participação em todos os aspectos da vida.

Conclusões

No relacionamento humano, e, por extensão, no campo das relações internacionais, a realidade da contradição entre princípio e fatos é uma constante. De um lado, a Conferência de Viena representou uma das etapas mais significativas na busca de um consenso internacional sobre direitos humanos, desde a Declaração de 1948; de outro, os fatos políticos, resultantes do processo de dominação em escala internacional e da assimetria na interação entre Estados-Nações centrais e Estados periféricos, indicam a distância efetiva entre a utopia e o cotidiano.

Em Viena, registrou-se, por exemplo, a tentativa frustrada de garantir o direito à palavra aos representantes do Curdistão, uma pátria sem nação e, para negar o acesso a esse direito, houve consenso entre os representantes de governos ideologicamente tão díspares, como é o caso dos Estados Unidos, do Iraque, do Irã, da Turquia e de Israel. Do mesmo modo, foi negada a palavra ao Dalai Lama, líder político e espiritual dos tibetanos, diante da objeção da China, que considera o Tibet como parte de seu território. Houve, também, muita resistência de praticamente todos os representantes dos Estados diante da reivindicação dos povos indígenas de serem tratados como nações, em suas diversas etnias.

De todo modo, a Declaração final de Viena e o seu Programa de Ação têm resultado, nos últimos 10 anos, em medidas concretas voltadas para a implementação dos direitos humanos como referência central para todas as políticas públicas e para o estabelecimento de uma ética dos mínimos, no cenário internacional. Entre as medidas aprovadas em Viena, concretizaram-se na elaboração de Programas Nacionais de Direitos Humanos e a criação, já em 1994, do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, diretamente ligado à Secretaria Geral da ONU e atualmente dirigido pelo diplomata brasileiro Sérgio Corrêa da Costa, ex-coordenador do processo de transição para a independência de Timor Leste.

Bibliografia
Notes for Speakers – Human Rights

World Conference on Human Rights – edited by Manfred Nowak

Dermi Azevedo
Mestre e Doutorando em Ciência Política.
Coordenador do Programa Estadual Paulista de Proteção às Testemunhas.
Professor do curso de Administração de Empresas do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Especificidade cultural

A invenção da semelhança

Todo agrupamento humano – seja um grupo estudantil, a torcida de um clube de futebol ou uma nação – para se manter e ter ações coordenadas, precisa construir sua identidade. A identidade cultural é fundamental na construção e manutenção de qualquer grupo humano. No entanto, as dificuldades para tal empreendimento são imensas. Os indivíduos, base de qualquer grupo, são diferentes entre si. A experiência da individualidade é uma necessidade tão vital quanto a experiência de fazer parte, de pertencer. Individualidade e pertencimento atuam como forças ambivalentes na construção da identidade cultural. Pertencemos àqueles grupos com o qual nos identificamos. Mas como nos identificarmos se somos tão diferentes uns dos outros?

O grande desafio, portanto, é transformar a diferença em semelhança. E não são somente os indivíduos entre si que são diferentes. A organização de grupos pequenos, aonde os indivíduos se relacionam face a face, leva-os a perceberem a diferença em relação a outros grupos. As sociedades, principalmente as mais complexas, são formadas por uma infinidade de grupos com interesses contrários e contraditórios, que ora se aliam, ora se opõem e se combatem. Articular e conciliar as contradições e ambigüidades decorrentes da diferença e da desigualdade e fazer que a semelhança seja mais percebida que a diferença é uma das principais funções da cultura. E os recursos disponibilizados são sempre simbólicos.

É o jogo simbólico da diferença e da semelhança que permite a cada grupo construir sua identidade. E cada grupo constrói a sua como se constrói uma peça de tapeçaria. É um paciente – e interminável – trabalho de passar e repassar fios. E todos os indivíduos do grupo são cooptados para esse empreendimento, cada um colaborando com sua parte. Quanto maior o grupo, maior o desafio, pois as diferenças, desigualdades e contradições são maiores e mais intensas, sendo, portanto, maior a necessidade de criação de novos símbolos. Quando falamos da construção de uma identidade nacional que envolve milhões de indivíduos, pertencentes a uma infinidade de pequenos grupos e, além disso, espalhados por um grande território, a tarefa não é pequena. Maior ainda quando as diferenças são tão evidentes. Esse é o caso de muitas nações, inclusive o Brasil.

A construção de qualquer identidade nacional recebe o aporte das mais diferentes áreas da vida social produtoras de soluções simbólicas, mas uma área particularmente privilegiada é o mundo das artes. A liberdade artística confere uma flexibilidade e plasticidade a esse processo que outras áreas da vida social, como a acadêmica, econômica ou política não possuem. Gostaríamos, então, de pensar a construção disso que é chamado “brasilidade” a partir dos fragmentos de uma obra de um dos mais prestigiados músicos contemporâneos: Antonio Nóbrega. A obra se chama “O Marco do Meio-dia”, título que além de nomear o espetáculo também nomeou o disco que foi lançado na ocasião. Começaremos examinando uma música que se chama “Viagem Maravilhosa” e que foi composta pelo próprio Nóbrega, em parceria com Bráulio Tavares e Wilson Freire. Canta ele que

Aí, um dia,
eu sentado na cadeira,
um Estalo-de-Vieira
clareou a minha mente.
Eu percebi
que tinha de procurar
descobrir e encarar
minha terra e minha gente.

A inquietação do poeta diante da diversidade coloca-o em movimento para explicar seu próprio pertencimento, em primeiro lugar. Como afirmamos acima, tão fundamental quanto construirmos nossa individualidade, ou seja, nossas especificidades, é também construirmos nosso pertencimento. A individualidade, por si só, não nos permite (re)conhecermos. Procuramos nos reconhecer em nossos semelhantes, só que, paradoxalmente, essa semelhança também precisa ser construída. Construímos o “outro” para nos vermos a nós mesmos. Assim, o “outro” funciona como um espelho sobre o qual se busca uma imagem de si. O poeta é então impulsionado e se instrumentaliza para procurar essa semelhança. Afirma ele que

E sem demora
minha burra eu selei,
pus um cabresto e montei,
pus espelho e um radar.
Pus uma bússola,
astrolábio e luneta,
diário, mapa e caneta,
e falei: “vou viajar”.

Assim equipado, nessa viagem imaginária, pronto para descobrir e inventar a um só tempo, o poeta cruza os principais pontos geográficos do país, que estão associados à história, construindo a identidade com as tramas dos fios do tempo e do espaço. Diz ele que

No meu galope,
mais ligeiro que um corisco
eu cruzei o São Francisco,
mergulhei no Iguaçu.
Fui despertar
no sol da Zona da Mata,
vestido de ouro e prata,
dançando maracatu.

Passei por todas
as ladeiras de Olinda,
e muita morena linda
ainda se lembra de mim…
Cantei seresta,
tirei verso na ciranda,
toquei tuba numa banda,
na outra toquei flautim.

No meu caminho
enchi o Brasil de pernas,
até chegar nas cavernas
da Gruta de Maquiné.
Voltei de lá
com um papiro na mão,
trazendo a decifração
dos segredos de Sumé.

Eu vi Xamãs
dominando tempestades,
cavando Sete Cidades,
separando Marajó…
Vi o profeta
puxando com sua cruz
cada órfão de Jesus
que cruzou Cocorobó.

Mas quanto maior a diversidade, maior o desafio simbólico, e a trama do tempo/espaço por si só não é suficiente. Precisa ser adensada com a trama da musicalidade e da religiosidade do povo. Mais fios para fechar ainda mais a trama. E um outro recurso simbólico freqüentemente acionado – como em qualquer cultura – é a culinária. Ela se torna em um dos elementos fundamentais da construção identitária, já que a comensalidade é um ponto vital de imbricação da natureza e cultura pois é quando o alimento é transformado em comida. No seu devaneio poético ele afirma que

Fiz um almoço
lá no “Buraco da Jia”,
começou ao meio-dia
terminou pela manhã:
cuscuz com fava,
bode assado, dobradinha,
macaxeira com farinha,
codorniz e ribaçã.

Bolo de milho,
marisco no vinagrete,
feijoada com croquete,
quitude e baião-de-dois.
Comi de tudo
sem pressa, sem me cansar,
só para me preparar
para o que vinha depois…

Arroz-de-polvo,
risoto de camarão,
maionese e macarrão,
salpicão, frutos do mar,
feijão-macassa,
galinha de cabidela
e um bife de panela
bem leve, pra descansar.

Um ensopado
de carne com batatinha,
feijão-verde e farofinha,
sanduíche de peru.
Pra terminar
um conhaque, um cafezinho,
mais um cálice de vinho
e três doses de Pitu.

Depois dessa frenética salada simbólica preparada nessa cozinha cultural, nesse jogo em que a diferença só é percebida para ser reintroduzida e apropriada como complementaridade, o poeta diz que

Porém um dia
eu cruzei em meu caminho
com um Cavalo-marinho
que era gêmeo com o meu.
Puxei a rédea
fiquei olhando pra ele,
ele achou que eu era ele,
eu achei que ele era eu.

Nesse momento
mais um galope se ouviu,
outro cavalo surgiu
passando perto da gente.
Uma figura
semelhante e parecida,
mas como tudo na vida
tinha algo diferente.

E mais dois outros
chegaram no mesmo instante,
e logo mais adiante
outro ainda apareceu.
Eu que pensava
que era único no mundo
encontrei num só segundo
muitos outros como eu.

O caminho está agora totalmente percorrido e a peça bem tramada. O poeta percebe a diferença, mas a dinâmica simbólica que produz a semelhança mostrou a sua força e ele se reconheceu naqueles mesmos que ele havia construído. No entanto, essa tapeçaria tão habilmente produzida, sempre corre o risco de ser esgarçada pelo tempo e pelas contradições da vida social, com suas forças de ruptura e dispersão. A construção da identidade cultural tem esse caráter precário e provisório, estando sempre inacabada, como a própria sociedade. Precisa, portanto, ser constantemente reinventada.

Carlos Tadeu Siepierski
Doutor em Antropologia Social e Professor do curso de Comunicação Social do
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Eventos

Semana cultural

A semana cultural promovida pelos cursos superiores da Belas Artes teve início no mês de outubro, prolongando-se até dezembro conforme programação em seqüência.

Cursos: Eventos:
ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS – I SEMANA DE NEGÓCIOS BELAS ARTES

14/10 – “Gestão de Empresas Prestadoras de Serviços – mude ou morra”. Palestra com José Paulo G. Neto – KLA Advogados.

15/10 – “Marketing na Hotelaria – Parcerias Estratégicas”.
Palestra com Sandra H. Maia – ACCOR.

16/10 – “Ferramentas de Gestão da Responsabilidade Social”.
Palestra com Gláucia Terreo – Instituto ETHOS.

17/10 – “Criatividade”.
Palestra com Conrado Schlochauer – Laboratório de Negócios SSJ.

RELAÇÕES INTERNACIONAIS – I SEMANA DIPLOMÁTICA
“A Segurança e o sistema Internacional no Limiar do 3º. Milênio”

Solenidade de abertura: Apresentação do Coral Belas Artes.

28/10 – “O Equilíbrio entre Liberdade e Segurança no Contexto das Nações”.
Palestras com Dr. Medad Medina, Cônsul Geral israelense em São Paulo e com o Conselheiro Antônio Humberto Fontes Braga, representante do Itamaraty em São Paulo.
Mediador: Prof. Dr. Raimundo Ferreira de Vasconcelos – FEBASP.

29/10 – “Desafios e Alternativas à Política Externa Brasileira frente aos Riscos Transnacionais”.
Palestra com o Prof. Dr. Oliveiros S. Ferreira – USP e PUC/SP.
Mediador: Prof. Mestre e doutorando Flávio Rocha de Oliveira – FEBASP.

30/10 – “Vetores Estratégicos da Segurança no âmbito macroregional da África Negra, Ásia-Pacífico, Oriente Médio e América Latina”.
Mesa Redonda com os Professores Dr. Fernando A. A. Mourão – USP e Univ. d’Angola; Dr. Henrique Altemani de Oliveira – USP e PUC/SP; Dr. Joaquim Rogério – Univ. de Lisboa.
Mediador: Prof. Dr. Paulo Tempestini – FEBASP.

COMUNICAÇÃO SOCIAL – RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM OLHAR DAS EMPRESAS PARA A SOCIEDADE

20/11 – Solenidade de abertura
Prof. Msc. Cláudio Andrade.
Palestra: “Responsabilidade Social: a Visão da agência”
Convidado: Sr. Frank Pflaumer – Sales D’Arcy

21/11 – Apresentação do Coral Belas Artes
Palestra: “Mídia Impressa”.
Convidado: Sr. Rondon Fernandes – W/Brasil.
Palestra: “responsabilidade Social”
Convidada: Sra. Maria aparecida Prazeres – Dow Química.

TURISMO – I SEMANA DE TURISMO

25/11 (noite) – Lançamento do I Caderno de Turismo da Belas Artes.
Convidados: Profa. Msc. Luciana Paolucci e Prof. Msc. Carlos Ribeiro.

Mesa Redonda com os seguintes convidados e respectivos temas:
“Turismo Online” com Ana Lúcia Busch – Diretora Executiva da Folha Online.
“Sensorialização, Prazer e Satisfação do Hóspede” – Hotéis Templos do Prazer” com Marcelo Lima, Editor da Revista da Folha de São Paulo.
“Um olhar estrangeiro” com Caio Vilela – Fotógrafo Profissional.

Vernissage – Exposição de fotografias – “um olhar estrangeiro”
Exposição de Caio Vilela.

26/11 (manhã) – “Roteiros personalizados com ênfase em Marrocos”.
Palestras com Roberta & Carlos Roth – Roth Tours.
“Hotel sobre Rodas”.
Palestra com Flávio Melo – da Exploranter.

27/11 (manhã) – Palestra e demonstração sobre “Resgate voluntário”.
Convidado: Julio Vema – Pres. AGRC (Associação de Grupamento do Resgate Voluntário).
Palestra e demonstração sobre “Velejar: uma opção de lazer”.
Convidado: Prof. Richard Paul Andersen – Fundador da Escola de Vela da Federação do Estado de São Paulo – FEVESP.

28/11 (manhã) – “Marketing Turístico”.
Palestra com Marcos Cobra – FGV.
“O Mercado de Gastronomia para o Profissional de Turismo”.
Palestra com Mariana de Albuquerque – Gerente de Salão do Restaurante Ritz.

Brunch
Convidado: Josenildo da Silva Guedes – Chef de Cozinha do Hotel Blue Tree.

DESENHO INDUSTRIAL – EXPOSIÇÃO DE TRABALHOS DE GRADUAÇÃO

05/12 – A Arte – Apresentação e Exposição.

09/12 – A Embalagem – Apresentação e Exposição.

10/12 – O Produto – Apresentação e Exposição.

LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS – SEMANA CULTURAL

09/12 – [Abertura]: eXposição aMostra

10/12 – PeRFORmAnceS
vivências > Alice
videoS [teatro contemporâneo]
encenAção
Performance > BertOneTo

11/12 – Manhã
AberTura aRtíSTica >> T.C.C.
Período noturno – MúSicA.

12/12 – Manhã e noite
VídEOs
Bancas de T.C.C.

13/12 – Manhã
PrOJeto InstAlaÇÃo coLEtivA
Bancas de T.C.C.
Período noturno: SaRAu

Na agenda

· 2ª Mostra Esfera Belas Artes de Design de Interiores – soluções para pequenos espaços. De 12/12/02 a 30/05/03 no horário de 19h às 23h.
Local: Rua Teodoro Sampaio, 1510 – Pinheiros – São Paulo. Fone:[11]3032-6955
Obs. Estacionamento com manobrista no local.

· Fórum Social Mundial – 3ª edição.
De 23 a 28 de janeiro de 2003, na cidade de Porto Alegre/RS – Brasil.
Eixos temáticos:
_ Desenvolvimento democrático e sustentável.
_ Princípios e valores, direitos humanos, diversidade e igualdade.
_ Mídia, cultura e contra-hegemonia.
_ Poder político, sociedade civil e democracia.
_ Ordem mundial democrática, combate à militarização e promoção da paz.

Para maiores informações acesse: www.forumsocialmundial.org.br

*. O curso de Relações Internacionais da Belas Artes comparecerá ao Fórum através do Sr. Orliano Trindade da Cunha, na condição de aluno e observador.

· Seminário Internacional
“O papel do Estado e a luta contra a pobreza na América Latina e Caribe”.
De 19 a 21 de março de 2003, na cidade do Recife/PE, Brasil.
Uma realização do(s):
· Conselho Latino-Americano de ciências Sociais – Clacso.
· Comparative Research Programme on Poverty – Crop.
· Fundação Joaquim Nabuco – FJN.
Maiores informações poderão ser obtidas via mails:
helen@fundaj.gov.br
fabiana@clacso.edu.ar
crop@uib.no

Dicas de leitura

Biblionews
Consulte algumas de nossas mais recentes aquisições na área de Relações Internacionais, a exemplo de:

BEDIN, Gilmar Antonio et al. Paradigmas das relações internacionais: realismo,
idealismo, dependência, interdependência. Porto Alegre: Unijui Ed., 2000.

BULL, Hedley. Sociedade anárquica: um estudo da ordem na política mundial.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Argentina e Brasil: a balança de poder no cone
sul. São Paulo: Anna Blume, 1996.

MELLO, Leonel Itaussu almeida. Quem tem medo da geopolítica? São Paulo:
Edusp, 1999.

PROENÇA JÚNIOR, Domício et al. Guia de estudos de estratégia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999.

Encontram-se disponíveis para consulta, em nossa biblioteca (www.belasartes.br) os seguintes periódicos específicos de relações internacionais (impressos).

· CONTEXTO INTERNACIONAL
· FOREIGN AFFAIRS
· FOREIGN POLICY
· ORBIS
· POLÍTICA EXTERNA
· REVISTA BRASILEIRA DE POLÍTICA INTERNACIONAL
· SURVIVAL
· THE ECONOMIST

Também estão disponíveis, eletronicamente, alguns dos principais jornais diários internacionais, tais como:

The New York Times (EUA)
www.nytimes.com

The Wall Street Journal (EUA)
www.interactive.wsj.com/home.html

Le Figaro (França)
www.lefigaro.fr

Le Monde (França)
tout.lemonde.fr

Correio da Manhã (Portugal)
www.correiomanha.pt

Bild Zeitung (Alemanha)
www.bild.de

China Morning Post (em inglês)
www.scmp.com

El Pais (Espanha)
www.el pais.es

El Clarin (Argentina)
www.clarin.com

Acesse ainda a base de dados ProQuest Academic Research Library – via web, que já fora ativada para a Biblioteca Luciano Octávio Ferreira Gomes Cardim.

O ProQuest Academic Research Library é uma Base de Dados de periódicos internacionais, que permite e oferece a pesquisa em mais de 2.600 títulos de periódicos indexados, disponibilizando resumos de 25 a 150 palavras, sendo mais de 1.700 títulos com textos na íntegra. O ARL (Academic Research Libray) abrange várias áreas de interesse como Artes, Negócios, Educação, Relações Internacionais, Direito, Militar, Cultura, Ciências Sociais, entre outras. E mais, possibilita a tradução on-line dos textos.

BIBLIOTECA 40 HORAS

Biblioteca 40 horas é um serviço especial de atendimento da Biblioteca Luciano Octávio Gomes Cardim e da Midiateca Prof Dr. Paulo Gomes Cardim.

São 16 horas de atendimento diário, ininterrupto, in loco, das 7h às 23h. Mais 24 horas de atendimento por meio de seus serviços on-line, envolvendo: consulta ao acervo; a dicionários, revistas e jornais eletrônicos; Free Translation; acesso a bancos e bases de dados. A renovação do empréstimo das obras poderá também ser realizada por meio dos seguintes esquemas.

Bibliofone: renovação via Fone – das 7 às 23h – Fone 5576-7300 ramais 174/175/176
Bibliofax: renovação via fax: disponível 24h – Fone 5576-7300 ramal 178
Biblioemail: renovação e reserva via e-mail – disponível 24 h :
Renovação de material: bibliorenovation@belasartes.br
Reserva de material: biblioreserva@belasartes.br

Leila Rabello de Oliveira
Mestranda em Ciência da Informação e
Personal Information do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo

Resenhas & Sinopses

A estratégia sob análise

Guia de Estudos de Estratégia
PROENÇA JR., Domício, DINIZ, Eugênio & RAZA, Salvador G.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. 186 pp.

Nesses tempos pós 11 de Setembro, assistimos ao recrudescimento de conflitos militares em diferentes regiões do mundo. No Oriente, palestinos e israelenses seguem se enfrentando; as tropas aliadas continuam no Afeganistão sem ter conseguido prender Bin Laden, ou pior, pacificar inteiramente o país. Índia e Paquistão são candidatos seríssimos a protagonizarem a primeira guerra nuclear da História. Em nosso continente, a Colômbia promete novos momentos de uma intensa guerra civil, que englobará o governo, os paramilitares de direita, as FARC e o crime organizado controlado pelos narcotraficantes – não necessariamente nessa ordem e por vezes se confundindo uns com os outros. Os Estados Unidos, a maior máquina de guerra de todos os tempos, seguem imperialmente envolvidos em todas essas lutas.

Assim, todos aqueles que se interessam pelos assuntos da política internacional devem selecionar as suas leituras de modo a incluir trabalhos intelectuais que abordem, em sua especificidade, o fenômeno da guerra. Em português, é notória a falta de publicações atualizadas sobre esse tema. Nesse sentido, passou quase que desapercebido um livro escrito por pesquisadores do Rio de Janeiro, ligados ao Grupo de Estudos Estratégicos da UFRJ, e que aborda temas e teorias ligados à guerra. Trata-se do Guia de Estudos Estratégicos.

O Guia constitui-se numa interessante introdução aos Estudos Estratégicos como área científica, que demanda saberes especializados e interdisciplinares. Elaborado num formato de ampla divulgação, serve tanto ao público leigo, mas que possui interesse em ser bem informado, quanto aos especialistas civis e militares.

No primeiro capítulo, os autores estabelecem o objeto dos Estudos estratégicos – EEs: o estudo do emprego dos meios de força do Estado, com fins políticos. Os Estudos Estratégicos buscariam “entender, agregar, analisar e explicar” a experiência humana acerca dos conflitos. Possuem uma perspectiva interdisciplinar, combinando elementos das ciências sociais e naturais. Os EEs realizam, ainda, a tarefa de estudar e propor o aperfeiçoamento das questões envolvendo a avaliação e aplicação dos meios de força.

A especificidade dos Estudos Estratégicos reside na compreensão da complexidade das atividades de segurança estatal, internacional e nacional em diferentes níveis. Envolve análises técnicas e políticas, dialogando com a diplomacia e as Forças Armadas. Abordam-se as realidades concretas em torno do confronto armado. Os Estudos Estratégicos recorrerão constantemente a uma historiografia militar científica, cujo estudo correto tem as seguintes características, conforme Michael Howard: abrangência, profundidade e contextualidade. Para os autores do Guia, deve-se levar em conta a construção de teorias e paradigmas no espírito popperiano e khuniano. Há um interessante quadro acerca das “Crises” político-militares, na pg. 52, apresentado na forma de um Box em separado e que torna o livro extremamente claro e conciso. Aliás, essa forma de apresentação gráfica é extremamente útil para o leitor, pois fornece informações precisas de forma rápida e concentrada, sem rodeios e indo diretamente ao ponto em questão.

No cap. 2, dá-se atenção aos pensadores que os autores consideram como fundadores dos Estudos Estratégicos enquanto área do conhecimento: Jomini e Clausewitz. O primeiro é o autor que pretende estabelecer princípios de validade universal acerca da “arte da guerra”, e que seguidos serviriam como uma receita para a vitória (p.60). Para ele, a “chave da guerra é a estratégia; a estratégia é controlada por princípios científicos universais”(p.60). Ele conclui que “a vitória na guerra é decorrente da ação ofensiva que concentre forças contra o inimigo no ponto decisivo.” Jomini é um pensador que busca as permanências ao invés da mudança entre guerras de diferentes épocas, sendo nesse sentido um conservador. O limite de seu pensamento se dá pela pouca profundidade científica, e pela tentativa de simplificação excessiva acerca dos princípios da guerra – o que, de resto, mostra a influência de um cientificismo positivista em sua obra.

Em seguida, os autores abordam Clausewitz. Este pensador alemão parte de um conceito abstrato, a guerra absoluta, cujo objetivo é desarmar o inimigo e submetê-lo à nossa vontade. Para ele, todavia, a história demonstra que tal forma de guerra nunca foi atingida, sendo moderada pela influência da Política. Nesse sentido, Clausewitz cunha a expressão de que “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Ela é a província da incerteza e do acaso, tendo de ser levada em conta com uma série de outros fatores (p.78). Clausewitz aceita as novidades revolucionárias presentes nas Revoluções Francesa e Norte-Americana, com o surgimento da presença do povo enquanto ator participante da política e do combate, a atividade essencial da guerra.

No cap. 3, descreve-se a guerra no mar. Trabalha-se inicialmente com o pensamento de Mahan. O almirante norte-americano que escreveu na passagem do século XIX para o século XX, procurou se inspirar no método de trabalho jominiano. Tenta adaptar a teorização da guerra em terra para o mar. Não realiza uma pesquisa científica sistemática, mas escolhe arbitrariamente os fatos e se utiliza de aforismos. Ele é o defensor da idéia de que as grandezas dos povos derivam de um grande poder marítimo, que deve assentar na existência de uma esquadra poderosa, de uma grande marinha mercante e de uma ampla indústria naval. Durante a guerra, deve-se assegurar o domínio dos mares pela ofensiva visando buscar e destruir a frota de batalha inimiga num confronto decisivo. O aspecto negativo de Mahan se dá pela ausência de uma sistematização crítica e rigorosa de seu trabalho, tendo ele, na verdade, tornado-se um ideólogo do poder naval independente, com raízes mentais na marinha da época do navio à vela; e pela sua incapacidade de compreender corretamente o progresso tecnológico.

Um outro teórico da guerra oceânica, o inglês Corbertt, é analisado como um contraponto à escola mahaniana. Corbertt realiza uma análise dos fundamentos da guerra naval de um perspectiva “clausewitziana”. Propõe que se tome cuidado com as simplificações excessivas sobre a guerra no mar, criticando indiretamente a Mahan. Para ele, a guerra naval não deveria transcorrer em separado da guerra na terra, devendo-se levar em conta os objetivos políticos dos governos e dos Estados.

Corbett rejeita o domínio do mar no sentido mahaniano. Para ele, o comando do mar é igual à capacidade que os combatentes têm de usá-lo de acordo com os seus fins político-militares. O limite de seu pensamento, conforme Proença Jr. et all, evidencia-se pela sua compreensão errônea dos limites políticos da condução da guerra naval e por não ter avaliado corretamente certas questões técnicas, como a do comboio.

No cap. 4, os autores abordam a teoria da guerra aérea. Aqui, centram sua análise num único autor, Douhet. Este teórico italiano irá conceber o avião como uma arma definitiva, que por seu alcance, velocidade e poder ofensivo tornaria obsoletos os exércitos e as marinhas. Aqui, os limites de sua análise se dão pela abordagem incorreta dos aspectos tecnológicos da guerra moderna, e pelo seu apego “corporativo” ao papel autônomo da Força Aérea.

No capítulo final, eles irão discorrer sobre os diferentes conceitos de Revolução nos Assuntos Militares. Terminarão por afirmar a necessidade dos estrategistas trabalharem de maneira interdisciplinar, levando em conta as questões de formação de pessoal qualificado – o capital humano – o avanço nos processos tecnológicos e novas organizações e reorganizações operacionais e intelectuais dentro das Forças Armadas.

Esse livro é, repito, de uma excelente introdução ao tema da estratégia. Leigos e especialistas têm muito a ganhar com sua leitura. Ainda assim, alguns problemas surgem. O primeiro deles diz respeito ao excesso de síntese. Por vezes ficamos perdidos com a exposição dos autores, que por saberem tanto sobre o tema, esquecem de que os leitores muitas vezes são leigos. A impressão que se tem aqui é a de que várias pontas ficam soltas no texto.

Finalmente, os autores esquecem de criticar deficiências na abordagem de Clausewitz, sendo que o fazem com excessivo – e bem construído – rigor em relação a todos os outros pensadores apresentados. Fica-se aqui com a impressão de que a adesão às idéias de Clausewitz é feita de uma maneira tão entusiástica que se optou por não procurar inconsistências em sua construção teórica. Lembra muito a posição de alguns marxistas ou estudiosos do marxismo, que sempre hesitam em reconhecer erros na obra de Marx, procurando sempre justificar as suas inconsistências atribuindo-as, por exemplo, ao “jovem Marx”.

Uma importante obra de introdução ao tema, o Guia de Estudos de Estratégia apresenta-se como uma leitura essencial para aumentar a compreensão sobre os problemas da guerra no mundo contemporâneo. As diversas disciplinas que abordam as Relações Internacionais, como a História, a Ciência Política ou a Sociologia – para citarmos algumas, encontram nesse trabalho uma bem construída base para estudos posteriores.

Considerando-se o que ainda o porvir em termos de política internacional, esse livro, mesmo com alguns dos problemas apontados, apresenta-se como um importante apoio intelectual para as pessoas bem informadas que desejam entender os rumos que o Sistema Internacional está tomando atualmente.

Flávio Rocha de Oliveira
Mestre e Doutorando em Ciência Política.
Professor do curso de Relações Internacionais do
Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

SOS da Linguagem

A memética e a linguagem

Este artigo tem como objetivo tecer algumas considerações sobre meme e linguagem, tendo como base histórias pessoais frutos da interação com meus amigos e alunos ao longo de minha vida e de minha experiência docente. Mais especificamente, pretende-se discutir a repetição do discurso que às vezes parece limitar nossas ações.

Mas o que é meme? Todos que lidam diariamente com computadores já devem ter visto a palavra meme em alguns programas, no entanto creio que poucos tiveram curiosidade para buscar seu significado. De acordo com o Novo dicionário Aurélio, meme é um termo de origem latina que vem de memento e significa lembra-te. Este termo, porém, vem sendo utilizado com diferentes conceitos por diversos autores. Para desenvolver este artigo, utilizo os conceitos de meme presente nos estudos de Blackmore (2001) e Meneghetti (2001).

Para Blackmore (2001), o maior proponente da memética foi o filósofo Dan Dennet, que expõe a idéia do meme como um replicador. Citando Dawkins, esta autora diz ainda que tudo que aprendemos por imitação de alguém é um meme, incluindo todas as palavras de nosso vocabulário, as estórias que conhecemos, as habilidades e hábitos que tomamos de outras pessoas e até as brincadeiras, as canções e os jogos de que gostamos, além das regras as quais obedecemos. Meneghetti (2001), por sua vez, conceitua meme como uma “Unidade de base para a difusão de idéias, culturas, estereótipos” (p.101). Ainda segundo este autor, meme é uma “Idéia que, uma vez posta no cérebro que a hospeda, influencia os eventos e em modo tal a criar outras cópias de si mesma ou variáveis estruturais.”

Na área de informática, o meme é uma espécie de linguagem de comando que faz com que a máquina repita uma operação sempre que estiver diante de uma atividade específica, como por exemplo, a resposta automática disparada quando se recebe uma mensagem de e-mail. Em nosso dia a dia, um exemplo de meme observado e que todos já devem ter vivido, é aquele momento em que ao chegarmos em casa quando as luzes já estão acesas, em um movimento mecânico tendemos a por a mão no interruptor, mesmo sabendo que não é necessário. Esse ato seria motivado por uma informação registrada em nosso cérebro que nos faz responder sempre da mesma forma a uma determinada situação, exatamente como se procede na área de informática.

Na linguagem, o meme se realiza em algumas frases que, assim como os comandos do computador, parecem estabelecer em nós um comportamento automático e mecânico. Um exemplo disso pode ser o “obrigado”, que por vício teima em aparecer mesmo quando quem fez o favor fomos nós. Quem já não se flagrou dizendo obrigada ao finalizar uma conversa ao telefone, quando deveria ter sido a outra pessoa a fazê-lo? Uma outra situação similar seria pedir desculpas quando quem teve o pé pisado fomos nós. Cabe ainda ressaltar um episódio ocorrido comigo, em relação ao uso do telefone celular, no qual o meme se fez presente: ao pegar o telefone, ouço uma voz “Oi, João!” e respondo em seguida “Não tem ninguém aqui com esse nome”.

Provavelmente, havia um monte de João ao meu lado, já que eu estava em uma praça de alimentação. Ri de mim mesma e quem ligou deve ter rido de mim também, fora as pessoas ao meu lado me ouvindo falar como se eu estivesse em casa sentada no sofá da sala, “Não tem ninguém aqui com esse nome!”. Larguei o lanche pela metade, guardei o telefone na bolsa e levantei assim como quem estava muito atrasada para uma reunião de negócios e saí para explodir em gargalhadas assim que virei a primeira esquina.

Estes exemplos ilustram o mesmo tipo de mecanismo utilizado na área da computação, quando o programa faz disparar uma ação no computador, como já dito anteriormente. No caso do ser humano, parece que o corpo tem momentos de independência nos quais fazemos coisas que não queremos realmente fazer e sobre as quais nem refletimos para decidir sobre nossa ação. Se por um lado, essa memética parece interessante e útil, como no caso da resposta de e-mail ou para dirigir, por exemplo, pois os movimentos para manter o carro funcionando vão saindo automaticamente, por outro lado pode nos tornar um pouco robóticos e repetitivos e o que é pior, pode nos fazer passar a gostar de tudo que funciona dessa forma. E é este último aspecto que me faz escrever este artigo, pois tenho visto no discurso de nosso dia a dia uma linguagem carregada de memes.

Não é mais surpresa quando você liga para uma empresa para fazer uma reclamação ou resolver um problema, e embora o mesmo não seja resolvido, o interlocutor diga frases como “mais alguma coisa, senhora?” ou “a empresa X agradece …”, com um tom de cordialidade talvez inadequado tendo em vista a falta de solução para o problema apresentado. Em nosso dia a dia, há também falas como “viu?” e “não” que teimam em aparecer no início de uma resposta ou mesmo para iniciar uma conversa, sem nada que justifique sua utilização. Com certa freqüência, tenho acompanhado atentamente alguns programas de entrevistas e quase sempre os entrevistados iniciam uma resposta com a palavra “não”, quando na verdade ao final de sua fala percebe-se que a resposta era positiva.

Lingüisticamente falando, seria possível analisar esses casos como um vício de linguagem, mas fica um vazio que nos leva a questionamentos tais como, de onde vem esse vício? Como e por que ele iniciou-se? O “né” e o “tá” utilizados ao final de nossas frases, por exemplo, têm um certo sentido, pois estamos procurando apoio, talvez em um momento de nervosismo. Seria algo como: não é verdade? Não estou certa? Ta bom? Ta agradando? Mas creio que o “viu” e o “não” de que falo fogem a esse comportamento lingüístico porque surgem em frases com as quais não parecem estabelecer conexão alguma, e por isso creio ser possível considerá-los como memes.

No entanto, é necessário ressaltar que, assim como afirma Blackmore (2001), “os memes são passados adiante por imitação”, não sendo, portanto, memes todas as formas de comunicação, todas as idéias e comportamentos, a não ser quando passados adiante por pura imitação. Nesta perspectiva, para evitarmos a expansão de memes que mecanizam nossa linguagem e nosso comportamento, segundo esta autora, é necessário desenvolver um processo de aprendizagem por tentativa e erro ou por feedback. Diante desta afirmação, fica patente que o meme só se aloja em nossa mente e se propaga se não houver reflexão, problematização, oposição, conscientização, estudo e reelaboração.

Contudo, o discurso da repetição infelizmente tem sido muito freqüente, basta ler os jornais e assistir aos telejornais, por exemplo, nos quais as notícias são propagadas exatamente da mesma forma, com o mesmo texto que aliás é aquele que lemos nas páginas da Internet. É também grande o número de trabalhos “clonados” que os alunos entregam aos professores. Enfim, o discurso memético tem sido tão freqüente que há sempre uma grande reação quando é preciso criar, problematizar, decidir. O que se vê em geral é que aprender não importa, o que importa é repetir o que o professor diz ou o que se lê nas páginas da Web, atender bem um cliente, observando suas singularidades não importa, o que importa é dizer a frase que está no script previamente definido. Nesse contexto, o discurso vai impondo, moldando, impedindo a criatividade e a construção de conhecimento, além de colaborar para a perpetuação de um discurso de passividade que parece insistir em se manter em cada indivíduo e por que não dizer, na sociedade.

Referências bibliográficas
BLACKMORE, S. (2001) O Poder do Meme: waking from the Meme dream the Psychology of awakening: Na international Conference on Buddhism, Science and Psychotherapy, Dartington, 9 November 1996.
DAWKINS,R. (1993) Viruses of the mind. Em B.Dahlbohm (ed) Dennett and his Critics: Demystifying Mind. Oxford, Blackwell.
DENNETT,D. (1991). Consciousness Explained. Boston, Little, Brown.
DENNETT,D. (1995) Darwin’s Dangerous Idea, London, Penguin
MENEGHETTI, A (2001a) Princípios de Ontopsicologia; tradução Adriana dos Reis. Brasília: Ontopsicologia Editrice.
MENEGHETTI, A (2001b) Dicionário de Ontopsicologia, tradução Adriana dos Reis São Paulo: Ontopsicologia Editrice.
MENEGHETTI, A (2001c) O Meme como novo paradigma de análise cultural, tradução Adriana dos Reis. Revista Nova Ontopsicologia, 2:04-12, Roma: Psicologia Editrice.

Dilma Mello
Doutoranda e mestre em Lingüística Aplicada e Professora do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes.

Recreio literário

O problema é que os homens têm dedos…
Dilma Mello

Dedo mindinho, seu vizinho, maior de todos, fura bolo e cata-piolho…

Dedo que tira meleca
Dedo que fuça e informa
Dedo que fura o bolo,
traz a calda, lambe o sorvete
Dedo que fala do aniversário
Dedo que aperta a campainha e enlouquece as donas-de-casa

Dedo que delata, condena e aperta o gatilho
Dedo que se põe na cara das pessoas,
que serve para calar, pedir silêncio
Dedo que acena e nega passagem

Dedo que ameaça
Dedo que brinca e clica no mouse do computador
Dedo que clica e promove confusão, pânico e medo
Dedo que autoriza o lançamento de um míssil

Dedo que pede cerveja, que pede a conta, que reivindica
Dedo que clica e manipula contas
Dedo que apaga luzes

Dedo menino
Dedo espião
Dedo safado
Dedo cibernético…

…que indica o caminho, que mostra o atalho, mas que também pode “deletar” o mundo

Informe publicitário

Centro Universitário Belas Artes de São Paulo

Um novo alento à tradicional Faculdade de Belas Artes de São Paulo ocorre com sua transformação em Centro Universitário, neste mês de novembro de 2002. A Comunidade Febaspiana está em festa e regozija-se com mais este feito que vem somar-se a tantos outros acumulados ao longo de 77 anos de existência.

Sinônimo de qualidade e tradição no ensino das artes, ultimamente esta respeitada instituição educacional, abrigada no não menos tradicional bairro paulistano da Vila Mariana, vem diversificando suas atividades, a fim de ampliar o leque de opções aos candidatos dispostos a escolher e aprender uma profissão de nível superior.

Administração de Empresas, por exemplo, recentemente reconhecido pelo MEC, obtendo conceitos A (Proposta Pedagógica), B (Quadro docente/discente) e A (infra-estrutura de apoio, incluindo-se biblioteca etc.), é um dos cursos superiores oferecidos pelo CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES que, somando-se a outros mais recentes como Relações Internacionais, Design de Moda, Turismo, além dos que ainda advirão, e na certa serão agraciados com a mesma qualidade e tradição conquistadas por seus cursos mais antigos como Design Industrial, Artes Visuais, Arquitetura etc.

Conforme o Decreto N.3.860 de 09/07/01, em seu Art.11, os Centros Universitários são Instituições de Ensino Superior pluri-curricular [oferecem diversos cursos], que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido, comprovada pelo desempenho de seus cursos nas avaliações coordenadas pelo MEC, pela qualificação do seu corpo docente e pelas condições de trabalho acadêmico oferecidos à comunidade escolar. Diferem, portanto, das universidades pelo fato de não estarem na obrigação de realizar a pesquisa stricto sensu (mestrado e doutorado).

Considerando-se a definição acima e dado que os referidos Centros só podem surgir de IES já credenciadas e em funcionamento regular, com qualidade comprovada em avaliações realizadas pelos profissionais do MEC, Centro Universitário é o resultado natural e legítimo para quem, como a Belas Artes, trilhou os caminhos da ética, da justiça, do profissionalismo e da decência em suas atividades e atitudes.

O fato é que o mais jovem Centro Universitário paulistano passará por uma nova avaliação do MEC daqui a três anos. Por ora, possui as prerrogativas para criar, organizar e até mesmo extinguir cursos e programas de educação superior, bem como remanejar ou ampliar vagas nos seus cursos já em funcionamento.

Contudo, não estará desobrigado de atividades como iniciação científica e estágios para seu alunado, publicações acadêmico-científica por parte de seus docentes, maior interatividade de seus programas e disciplinas, obtenção de resultados satisfatórios no ENAC (provão) etc.

VESTIBULARES

Processo seletivo

O curso de Relações Internacionais continua atraindo um elevado número de candidatos. Os números da Fuvest apresentaram ligeira queda em relação ao ano passado (2001), quando realizou seu primeiro vestibular para essa carreira profissional. Ainda assim, a procura situou-se ao redor de quase quarenta candidatos/vaga, considerando-se os dois períodos (matutino e noturno) em que são oferecidas sessenta vagas ao todo.

Na Belas Artes ocorreu o inverso, tendo a procura se elevado inclusive em relação ao seu vestibular anterior. Desta feita, o número de candidatos superou o de vagas, fornecendo um resultado de 1,2 para essa relação até o fechamento desta edição (final de novembro). Cabe sublinhar que o processo seletivo na Belas Artes é contínuo e assim, a referida relação tende a se elevar. O fato é que o número de candidatos, neste semestre, fora multiplicado por quatro (até este momento) e a explicação para tanto aponta para o maior conhecimento do público sobre a existência do curso na Belas Artes, contando-se ainda com a divulgação realizada pelos próprios alunos que aqui ingressaram.

Esse maior conhecimento sobre o nosso curso é aferido também quando do processo de entrevistas com os candidatos (Modalidade I) e ainda, na seleção tradicional (Modalidade II). Existe praticamente uma unanimidade dos candidatos em seus relatos sobre os fatores atrativos do curso, variando apenas a ordem para: grade curricular, logomarca Belas Artes, qualificação docente, conceito “A” do MEC etc.

O que não mudou para nós foi o nível dos candidatos, permanecendo elevado. Até porque mantivemos o grau de exigência quanto ao perfil do candidato (vide edição n.1 desta publicação), habilidade em redigir, conhecimento dos idiomas inglês e espanhol etc. Aliás, devemos ser o único curso de relações internacionais a exigir habilidade prévia em língua estrangeira, quando do processo seletivo.

Na avaliação institucional realizada neste semestre com nossos quadros docente e discente, perguntamos a este último o que diria para quem pretende cursar relações internacionais na Belas Artes: eis algumas das respostas obtidas.

“…o curso tem se apresentado de forma satisfatória e é recomendado a quem gosta de uma turma mais tranqüila e parceira, e para quem estar disposto a ler bastante”.

“Leve o curso com seriedade…e por ser um curso novo, precisa ainda se firmar e ganhar respeito no mercado”.

“Que deve estar disposto(a) a ler, pensar e ter algum grau de dedicação, pois o curso “em si” não é para turistas”.

“Pense muito antes de fazer; é um curso difícil”.

“…É um curso que pode vir a ser o melhor de São Paulo”.

“Muita leitura, dedicação e boa sorte”.

“Só curse R.I. na Belas Artes se estiver certo de que irá ter de ler muito”.

Somos gratos aos comentários sinceros de nossos alunos e ao mesmo tempo, agradecemos aos candidatos cujas escolhas recaíram sobre o nosso curso, na certeza de podermos lhes oferecer dedicação, seriedade, qualidade e experiência acumuladas por nossa equipe diretiva, técnico-administrativa e docente.

Parabéns aos que lograram aprovação; ânimo, melhor preparo e persistência aos que não obtiveram o mesmo êxito, e que jamais desistam de seus objetivos.

Sejam bem vindos ao CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO!!!

Welcome, Bien venidos ao curso de RELAÇÕES INTERNACIONAIS!!!

ENTREVISTAS

Nesta 2ª edição de Data Venia não realizamos para esta coluna propriamente uma entrevista, mas um diálogo informal ocorrido durante a I Semana Diplomática, organizada pelo curso de Relações Internacionais. Diálogo este travado entre a platéia e o ilustre palestrante, Prof. Dr. Oliveiros S. Ferreira, da PUC/SP, após este ter discorrido sobre a questão da segurança no Sistema Internacional. Naquele dia (29/10/02), os trabalhos da mesa tiveram a mediação do Prof. Flávio Rocha de Oliveira, do Centro Universitário Belas Artes. Leia a seguir trechos do referido diálogo, editado a partir da gravação em vídeo, na seguinte ordem de perguntas.

Platéia: Antes de perguntar eu quero parabenizá-lo pela brilhante reflexão, como sempre o faz. Gostaria de ouvi-lo quanto às perspectivas, dentro desse contexto todo, sobre o governo Lula. Em que sentido o Lula dispõe de uma autonomia maior ou menor para mexer as pedras desse xadrez?

Oliveiros: Veja, eu diria que nesses oito anos que passaram foram lançadas, assentadas as bases para uma estrada que não tem desvio. Eu me recordo de uma palestra, de uma aula, creio que do ex-chanceler Lampréia, em que ele dizia que, por mais que se quisesse fazer a bomba atômica hoje, isso seria impossível, porque o tratado que nós assinamos impede. Então para vocês terem uma idéia do que significa esse tratado de controle de proliferação – eu não vou entrar nos méritos – só as cláusulas da denúncia, o tratado pode ser denunciado com alguns anos ou alguns meses de antecedência; isso não tem nenhuma importância, num documento dirigido ao Conselho de Segurança da ONU. Nesse documento, o país que denuncia deverá explicar as razões pelas quais ele está denunciando. Ele deverá explicar porque apenas a bomba atômica garantirá a sua segurança contra terceiros.

Quer dizer, praticamente é impossível o Brasil estar denunciando, porque implica que a Argentina vai fazer a bomba atômica, não tem o menor sentido. Bem, veja, o TNP (Tratado de Não Proliferação) não é tanto pela bomba. O TNP, a assinatura do TNP é por termos jogado, deixado de lado uma alternativa; não queria usar uma expressão desagradável, mas uma alternativa de chantagem. Então nesse aspecto, ontem, já num discurso, o Lula deixou claro que respeitará o TNP, isso já está seguro.

Tem latitude de negociação, digamos assim, no que se refere à Alca? Ele pode chegar e dizer: não quero! Caberá a ele dizer se quer ou não. Não sei se a conjuntura em que ele se elegeu permitirá que tenha uma atitude desse tipo, que poderá ser até negativa para os interesses futuros do país. Ele está condicionado, digamos assim, se não aceitar o acordo com o Fundo (FMI), não terá no primeiro ano, os 24 bilhões de dólares, que dependem de ele concordar com os termos do acordo; se não concordar não teremos os 24 bilhões. A crise cambial se acelerará e o dólar irá para o espaço. É que também aí ele tem muito pouca margem. Poderá ter uma grande decisão no que se refere ao Mercosul, mas tendo em vista, digamos assim, não sentar em cabeça de boi, ele terá de se empenhar em aumentar o comércio internacional. Isso exigirá, digamos assim, uma atitude firme nas negociações da ALCA. Mas também não poderá negar-se porque se negar ir à ALCA o Brasil terá, digamos assim, tarifas alfandegárias sobre os seus produtos e os outros não terão. Como nós produzimos aquilo que os outros produzem também, não temos uma produção que (…), as margens de manobra nesse caso são pequenas. Na retórica poderá mudar. Poderia seguir o México no que se refere à denúncia do TIAR (Tratado Inter-Americano de Assistência Recíproca). O fato do México ter se adiantado retira, digamos assim, retira o “panache” para o Brasil, se ele denunciasse. Terá, se for verdade a informação que o governo Fernando Henrique não vai decidir, ele terá a chance de manifestar alguma independência na compra dos aviões da FAB, um contrato de 700 milhões e que vai chegar a bilhões, não sei quantos. E terá de escolher, vamos dizer, entre russos e franceses e americanos. Uma escolha fora da área americana ou inglesa implicará, digamos, uma disposição, eu não diria uma disposição hostil, mas uma disposição de frieza das relações.

Platéia: Dr Oliveiros, eu gostaria de ouvir uma consideração mais abrangente sobre a tal “cabeça de boi”, porque no âmbito das relações Norte-Sul, parece que para os países do sul, a “cabeça de boi” às vezes acaba sendo mais uma imposição e não um tipo de escolha. O senhor veja, um país como os Estados Unidos, por exemplo, na situação de hoje, que forças tem a ONU, por exemplo, para ordenar aos Estados Unidos, na posição em que se encontram, a obedecer a determinadas leis e a determinados tratados. Os americanos recusam-se a reconhecer o Tribunal Penal Internacional, recusam-se a ratificar o Protocolo de Kyoto, então, eu perguntaria: será que a única forma de fazer uma nação como os Estados Unidos, hoje, a ficar de certo modo de “joelhos” seria somente através do terrorismo?

Oliveiros: Eu diria ao senhor, eu diria que a resposta que qualquer norte-americano lhe daria seria a seguinte: o General De Gaulle dizia que o poder não recua. O poder não recua, compreende? Vou matar 700. Eu mato 160 e você morre. Não há hoje poder capaz de confrontar os Estados Unidos nos termos que vosmecê coloca. Vamos ser realistas: a ONU não tem competência p’ra fazer isso em primeiro lugar. A ONU foi feita para garantir a Segurança Internacional e agora está se metendo nas missões de paz, paz interna em alguns países. Mesmo se tivesse competência, não tem força. E ela corre o risco, veja bem, ela corre o seguinte risco – que tem acontecido ao correr dos anos, às vezes isso vai e vem – de ouvir o Congresso americano dizer: não paguem, não se paguem as contribuições para a ONU. Não se pague, como não se pagou durante muito tempo. Foram os atentados de 11 de Setembro que motivaram o Congresso a autorizar o Executivo a pagar as contribuições devidas à ONU, que não foram completadas pois a dívida não foi paga inteiramente. Pretender, mesmo entre aspas, que os Estados Unidos se coloquem contra a parede, eu diria assim, como diria o socialista francês do fim do século XIX, seria uma abstração do pensamento.

Veja, o terrorismo pode, pode levar a…, mas há, imaginem, imaginem a situação extrema, que poderia acontecer na Rússia, por exemplo; a situação extrema em que um bando terrorista ocupe uma usina nuclear e ameace explodi-la. A notícia de que os terroristas ocuparam uma usina nuclear provocará imediatamente um êxodo civil extraordinário, vai ser uma confusão, uma cena da II Guerra, da invasão alemã à França. E o governo dos Estados Unidos? Como é que os Estados Unidos vão chegar à conclusão de que _ morram, destruam-se, eu não posso ceder. Por que veja o seguinte: se eles cederem em um caso, terão de ceder em todos. Imaginem – desculpem colocar essa comparação – que de repente esses alunos todos resolvem fazer greve e ocupar o prédio; ocupar e ameaçar detoná-lo se o senhor não ceder ao que eles querem.

Platéia (interrompe): Não dá idéia! (risos).

Mediador (intercede): E pegar os professores como reféns!

Oliveiros: Pegá-los como reféns e o pior: _ vamos matar um por hora (risos).
E o senhor cederá como eu cederia. Agora, precisa ver se a polícia vai deixar o senhor ceder. Porque a polícia precisa pegar os terroristas, porque são todos terroristas, e coisa e tal, levar todos para o Carandiru. Abrir de novo o Carandiru, vão todos p”ra lá. Levar todos pra lá, percebe? E como fazer? Veja, imaginar que se possa colocar contra a parede um poder como o poder norte-americano, eu penso que isso foge à análise objetiva dos fatos. Nós podemos fazer assim, podemos navegar entre Scila e Caribde. Veja, quando as relações Brasil e Estados Unidos não estavam boas, e isso começou já no governo Costa e Silva, percebe? O Brasil teve um gesto que não agradou aos Estados Unidos, que foi a compra de uma esquadrilha de Mirages, da França. E a partir dessa autonomia no campo militar, nós fomos caminhando até que o governo Geisel denunciou o acordo. Denunciou o acordo militar com os Estados Unidos e o selou com a Alemanha. Agora, veja o senhor o que aconteceu quando o Brasil fez o acordo com a Alemanha. Houve imediatamente uma enorme campanha de imprensa, do Brasil e fora dele, dizendo que o acordo fora feito para permitir que a Alemanha construísse fora da Alemanha a bomba atômica. Construiria no Brasil a bomba atômica. Porque a Alemanha estava proibida, pelos acordos que lhe deram soberania, de se comprometer a construir bombas atômicas. Houve enorme pressão para que a EURATOM não fornecesse urânio enriquecido para as usinas brasileiras, [não atendesse] a demanda do governo brasileiro. E o que é curioso: toda essa pressão foi montada em cima de um fato que todos conheciam. Se um parafuso de uma usina nuclear não estivesse supervisionado pela Agência Internacional de Energia Atômica, ela não seria sancionada. Quando o governo brasileiro percebeu – não que ele tivesse essa intenção – que ele não poderia fazer absolutamente nada fora dos acordos que a Alemanha assinara com a Agência Internacional de Energia Atômica, o Brasil fez um programa paralelo. Tentemos imaginar que o projeto do General Geisel fosse esse: colocar os Estados Unidos contra a parede, de fazer a bomba, afinal de contas tivemos lá o episódio dos poços, vamos imaginar que ele tivesse isso na cabeça, não tínhamos urânio enriquecido, não tínhamos como comprar material para fazer o projeto paralelo, tivemos de andar pelo mundo como filibusteiros à procura de alguma coisa. E os Estados Unidos não se incomodaram. Ajudaram a fazer a campanha contra o Brasil e ficaram calados. Sabiam que não podíamos fazer nada. Agora, qual é a condição do Brasil de fazer alguma coisa contra os Estados Unidos? Qual é a condição, veja bem, se o Brasil quiser fazer alguma coisa, pretender, digamos, responder positivamente à sua questão, ele teria – de certa maneira – de dar abrigo às teses, e dar abrigo possivelmente às pessoas, às teses e pessoas terroristas. Ora, isso seria quase que uma declaração de guerra. E aí eu lembro de uma anedota que corria no tempo do Estado Novo, que o Getúlio Vargas chamou o Góes Monteiro, que era um grande estrategista brasileiro e lhe disse: “Góes, só tem uma saída para o Brasil; temos esses e esses problemas. Só temos uma saída que é declarar guerra aos Estados Unidos, porque assim, se nós perdermos eles pelo menos vão tomar conta de nós”. E aí o Góes virou p’ra ele e disse: “Presidente, e se nós ganharmos? (risos). E se nós ganharmos a guerra contra os Estados Unidos?”

Eu penso que nas condições de força que existem hoje no mundo, os Estados Unidos estão em condições, são a única potência hoje, e nem a Rússia mais tem…, que podem dizer que não aceitam os tratados que foram assinados. Quer dizer, o pacto sum servanda não vale para os Estados Unidos. Paciência! Eu sou soberano, e foi com base nisso que os alemães invadiram a Bélgica. Nós somos soberanos e foi com base nisso que mudamos a nossa opinião. A Rússia não se opõe mais aos Estados Unidos e o senhor sabe que a Rússia é uma potência nuclear. Ela necessita de boas relações para poder resolver os seus problemas internos, problemas econômicos internos que são grandes, e mais, eu não vejo como podemos colocar os Estados Unidos contra a parede. Mesmo porque acredito que é uma política que não tem futuro; não tem futuro porque nós não temos como, não temos “boi” suficiente para sentarmos em cima dele.

Platéia: [Mudando de horizonte] uma saída fora da Alca, uma outra alternativa além dela seria o Brasil fazer o comércio com a União Européia. Que a União Européia e o Brasil estariam levando vantagem…

Oliveiros: Veja, você fala num acordo com a União Européia, que recebe um quarto da sua exportação, os Estados Unidos recebem o outro quarto. O problema é que…você pode fazer acordo com quem você quiser. O acordo com a União Européia não resolve o problema da Alca. Está colocado, e é isso que nós temos de ter bem presente. Os dados foram lançados, percebe? Não sei se vocês conhecem o Seven Eleven: dois dadinhos que se joga, e se fizer sete ou onze a banca ganha, se fizer seis ou doze a banca perde. Se sair qualquer outro número a banca tem de repetir o jogo. Os Estados Unidos lançaram os dados. Não deu ainda sete, não deu sete ou onze, mas não deu seis ou doze. Eles vão ter de repetir e se sair sete ou onze depois nós ganharemos. Eles vão ter de repetir, mas com um parceiro que não tem dinheiro p’ra cobrir a banca. Essa é a realidade. Nós somos a décima economia do mundo e os Estados Unidos têm um PIB de US$10 trilhões. Escreve 10 trilhões e vamos ver se você acerta quantos zeros têm. O orçamento militar deles é maior do que os doze países que vêm imediatamente abaixo [deles]. Quer dizer, é uma coisa que nós não conseguimos imaginar. E eles não têm a menor cerimônia, veja bem, a menor cerimônia de dizer que nós estamos errados.

A União Européia fará um acordo conosco? Muito bem! Qual é o interesse da União Européia? É compra de órgãos governamentais? Participar de todas as concorrências? É liberdade, digamos, do mercado financeiro? Quer dizer, permitir abrir bancos, casas de corretagem, com a facilidade que se tem hoje, que precisa de um decreto governamental, presidencial, para autorizar a abertura de banco. E uma série de coisas que os Estados Unidos também vão colocar. Quer dizer, nós concedemos para a União Européia e os Estados Unidos poderão dizer: _ e o princípio da nação mais favorecida que rege as nossas relações? Eu quero gozar do princípio da nação mais favorecida. E aí o Brasil terá de dizer se sim ou não. Se disser não, não custará nada ao Executivo norte-americano baixar um decreto dizendo que a tarifa de tal coisa subirá. E as nossas exportações para os Estados Unidos cairão, e nós entraremos em uma crise cambial. Veja, não estou dizendo que devamos ceder; eu estou dizendo que a situação é muito difícil. Quer dizer, de certa maneira estamos naquele momento em que a Maria quer casar e o pai diz que ela só poderá casar-se com o João, percebe? O pai está dizendo: “minha filha, veja assim, não é bem assim e coisa e tal”. Nós estamos chegando num momento em que o pai vai dizer: “tem de casar com o João”. E aí eu pergunto: vamos sentar em cabeça de boi? Sentar em cabeça de boi significa [neste caso] fechar importações, racionamento de petróleo, possível racionamento de energia elétrica, significa aumentar o desemprego. Será que vamos chegar a isso, sem um grande partido que mobilize as massas? Esse é o problema. Quer dizer, no fundo teremos de ligar a situação externa à situação interna. Nós teríamos uma grande vitória popular, sem dúvida nenhuma, mas obteríamos uma pequena vitória política. Não seria uma grande vitória política, mas uma pequena vitória política. O Congresso não tem maioria. Se fosse um regime parlamentar, o Lula, o PT teria hoje a maioria no Congresso, tranqüilo. Mas não é; é um regime presidencialista e nós temos um rosário de partidos e é preciso costurar um acordo no Congresso, e ao mesmo tempo costurar um acordo na sociedade.

Platéia: Em relação ao interesse nacional e à segurança, considerando-se essas fronteiras frágeis a que o senhor se referiu, o maior problema é da sociedade que tem um desinteresse em proteger essas fronteiras, não tem sequer noção sobre elas, falta de patriotismo, também de nacionalismo, ou o problema não é prioridade governamental?

Oliveiros: Você tem uma parte da sociedade que de certa maneira é responsável por isso. E você teve um governo, no passado, que cedeu à pressão da sociedade. Tome o Projeto Calha Norte se não me engano, no Governo Sarney. Ele previa a situação que está aí, ou seja, a instalação, a demarcação de fronteiras, direitinho. Você imaginaria, como saberemos que atravessamos a fronteira Brasil-Colômbia, por exemplo? Você não sabe, percebe? Você está andando no mato e de repente atravessou uma linha geodésica. Olhou p’ra cima, não viu e você já atravessou. Está do lado de lá. Então o Projeto previa pelo menos a instalação de marcos. Você já imaginou, você passava o arame farpado em torno da fronteira, e tal (risos).

A segurança e os pelotões no fundo seriam, digamos assim, o ponto de aglutinação de populações, de pessoas que fossem p’ra lá. Quando o Projeto Calha Norte se tornou público, houve uma grande reação de parte da sociedade e, se não me falha a memória, por parte da CNBB. “Esse é um projeto militar, é um projeto que vai militarizar as fronteiras; este é um projeto que vai acabar com os índios; esse é um projeto isso, esse é um projeto aquilo”. E o governo cedeu. Além do que ele não tinha muito dinheiro, mas cedeu. E ficamos nessa situação. Quer dizer, a sociedade, uma parte da sociedade vê qualquer ação governamental em que entra índio como parte contrária, como um massacre dos índios. E aí? Aí faz um estardalhaço, compreendeu? Parte da sociedade tem culpa e o governo, os governos também têm culpa. Além do que, eu me pergunto, tome o caso do SIVAM, o estardalhaço todo que se fez com o SIVAM e agora ele está aí, detectando os aviões que entram, mas não pode abater os aviões que não se identificam (risos).

“Você está invadindo o espaço aéreo brasileiro. Desça!” Aí você diz: “não vou descer e pronto”. O decreto está na mesa do presidente. E dizem as más línguas – sempre coisa de más línguas – que o problema é que nós temos medo, receio justificado, de abater um avião norte-americano que esteja inspecionando nossas fronteiras para ver se os traficantes…

E se o piloto não quiser se identificar? Eu invadi o espaço aéreo e não vou me identificar. Eu não posso revelar, veja bem, eu não posso revelar a missão que eu estou cumprindo.

Platéia (interrompe): Mas esse avião não pode ficar aqui…

Oliveiros: Eu sei. Veja, [pegando uma folha de papel e apontando para a borda] a fronteira é essa linha aqui, só que é geodésica. Você não vê. Então o avião vem e faz assim [demonstra como se atravessasse a fronteira]. O SIVAM detectou e logo o caça da FAB vem atrás dele. Esse avião deve ser um pouco mais veloz do que o caça da FAB, mas não tem problema (risos). E o piloto diz: “identifique-se!” E o invasor responde: “não vou me identificar”. “Então eu vou atirar em você e pfiuuuu!” [faz um movimento rápido com a mão sobre a borda do papel, indicando que o avião atravessou de volta a fronteira geodésica]. Entende? Se eu estou cumprindo uma missão e ela é secreta, é secreta; não posso comunicar. Quer dizer, p’ra sua tranqüilidade, quando um dos presidentes norte-americanos visitou o Brasil (estávamos aqui comentando), um caça norte-americano invadiu o espaço aéreo brasileiro. Compreende? Invadiu, porque não comunicou que ia entrar. E os Mirages foram buscá-lo e quase o derrubam. E então ele se identificou, porque a missão não era secreta, senão ele não teria retornado.

Veja, Mesmo não se gostando dos Estados Unidos, tá tudo muito bem, mas é preciso tratar com eles. Podemos não gostar do gerente do banco, daquele onde estamos devendo a duplicata, não é? Mas teremos de tratar bem o gerente se quisermos renovar o crédito. Senão…

Com os agradecimentos de Data Venia.

Expediente

Ficha técnica

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Revista on-line do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.