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Revista on-line do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

No.8 – abril-jul / 04

sumário

  • Editorial
  • Cenários
  • Eventos
  • Resenhas & Sinopses
  • Memorial diplomático
  • Expediente

DATA VENIA é a revista eletrônica do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. De periodicidade trimestral, seu conteúdo não necessariamente coincidirá com o pensamento da FEBASP, mantenedora desta Instituição, mas será de inteira responsabilidade dos autores que subscreverão suas respectivas matérias.
As colunas serão alimentadas pelos professores do Curso, contando-se também com a colaboração do alunado, da Comunidade Febaspiana como um todo, e apenas marginalmente, ocorrerá a participação de colaboradores externos à Instituição.

Além de divulgar as notícias relacionadas ao Curso, as matérias publicadas reportar-se-ão às sociedades nacional e internacional, através de textos inéditos e não muito extensos, acolhendo-se também material redigido nos idiomas inglês e espanhol.

O conteúdo divulgado em DATA VENIA pautar-se-á pelo balizamento ético e pluralismo das idéias, as quais autoriza-se sua reprodução por quaisquer meios desde que se mencione suas respectivas fontes.

Editorial

O Golpe na Política Externa Brasileira

Os 40 anos do Golpe Militar de 1964 não passaram despercebidos. Cadernos especiais e artigos sobre o tema foram publicados pelos principais periódicos do país e as emissoras de televisão e de rádio apresentaram programas jornalísticos especiais. Em diversos centros culturais foram realizados ciclos de cinema em que foram exibidas películas que levaram para as telas os múltiplos aspectos do Golpe e suas conseqüências, tais como: Jango, Pra frente Brasil!, Eles não usam Black-tie, Cabra marcado para morrer, entre outros. A mídia brasileira, em geral, não deixou o evento passar em branco. O mundo acadêmico nacional organizou conferências, palestras e congressos que possibilitaram o debate acadêmico mais aprofundado sobre os diversos ângulos presentes nesse acontecimento da história recente do país. No entanto, o impacto do golpe e suas conseqüências para a política externa brasileira foram praticamente esquecidos. E estão a exigir algumas reflexões.

A expressão Revolução de 1964 vai sendo lentamente apagada dos livros de história. Escrita no período de arbítrio, a expressão representou, muito mais, o esforço de setores do regime em identificar no fato, um substrato de ruptura progressista, supostamente contido no ideário revolucionário. O esforço funcionou exatamente como ideologia, na forma que a concebeu o filósofo alemão Karl Marx, isto é, um conceito utilizado para obliterar a realidade e, concomitantemente, impedir o seu completo esclarecimento. De fato, o que tivemos foi um golpe, engendrado por diversos segmentos da sociedade brasileira e liderado por setores das Forças Armadas nacionais, descomprometidos com as instituições democráticas. Longe de ser revolução, como a define os historiadores, ou seja, o momento de ruptura global e total com as estruturas sociais e econômicas estabelecidas, o Golpe teve o objetivo explícito de restabelecer a ordem e a hierarquia ameaçadas. Em uma revolução, as alterações na esfera política representam o corolário de todas as novas vicissitudes que foram desencadeadas pelo próprio processo revolucionário. Fenômeno que positivamente não ocorreu em 1964. Pelo contrário, o Golpe se deu exatamente para obstaculizar as mudanças que estavam em curso, sob a bandeira das Reformas de Base.

Nessa ótica, é possível sustentar que os acontecimentos de março e abril de 1964 atingiram diretamente o processo de autonomia de formulação da política externa brasileira que estava em curso, desde o final do governo Juscelino Kubitschek, notadamente quando o mesmo rompeu com a missão do Fundo Monetário Internacional que tentou inviabilizar a continuidade do Plano de Metas, o carro-chefe do governo. Porém, foi durante a curtíssima gestão de Jânio Quadros e a conturbada presidência de João Goulart que as formulações da política externa independente saíram do papel e dos debates no Itamaraty para nortear a ação governamental. O presidente Jânio Quadros fez de tal política o ponto fulcral do seu projeto de inserção do Brasil na ordem internacional. A sua viagem a Cuba, no momento que esse país começou a ficar sobre o foco concêntrico do governo dos Estados Unidos, a condecoração do líder revolucionário Che Guevara e do astronauta russo Yuri Gagarin, a visita do presidente Sukarno, da Indonésia, um dos principais líderes do movimento dos países não-alinhados (bloco de países que tentou transcender aos limites impostos pelas duas superpotências) mais do que provocações à Casa Branca, representaram demonstrações inequívocas dos esforços dos gestores e articuladores da política externa do governo Jânio Quadros em marcar uma posição de autonomia face à bipolarização do mundo, no contexto da Guerra Fria.

A política externa independente começou a ser articulada no Brasil após a Segunda Guerra Mundial e o fim do Estado Novo. Essa articulação coincidiu, portanto, com o período de redemocratização do país. Ela consistia de cinco princípios nucleares: a) o país deveria manter relações comerciais com todos os países, inclusive os socialistas, pois as barreiras ideológicas não deveriam inviabilizar o avanço das exportações brasileiras; b) a defesa do Direito Internacional, da autodeterminação e da não-intervenção nos assuntos internos de outros países, conceitos importantes, pois usualmente desconsiderados pelo governo dos Estados Unidos que transformaram a América Latina em um balneário, a ser invadido, quando fosse necessário; c) a exaltação da paz como eixo norteador das relações entre os Estados nacionais, traduzida na política de desarmamento e coexistência pacífica; d) apoio ao processo de descolonização afro-asiático e, finalmente, e) formulação autônoma de planos nacionais de desenvolvimento e de encaminhamento da colaboração externa para os mesmos.

Os princípios sistematizados acima foram implementados com mais clareza durante o governo João Goulart. Mesmo na condição de vice-presidente, Goulart demonstrou grande desprendimento quando se tornou o primeiro líder latino-americano a visitar a União Soviética e a República Popular da China. San Tiago Dantas, seu ministro das Relações Exteriores, deu mostras do firme propósito de aplicar os princípios da política externa independente na célebre Conferência de Punta Del Este, em 1962, quando defendeu o princípio da não-intervenção em relação a Cuba. Nesse contexto, demonstrou autonomia em relação aos Estados Unidos e reatou as relações diplomáticas entre o Brasil e a URSS. As pressões dos setores mais conservadores logo se fizeram sentir. As acusações levianas de que o governo era comunista e estava a serviço dos interesses do Kremlin.

A vitória do Golpe, em 1964, levou a uma completa mudança de rota. A política externa independente foi abandonada. A defesa do terceiromundismo foi substituída pelo conceito de segurança hemisférica. Nessa perspectiva, o país aderiu automaticamente aos postulados do governo norte-americano. Na prática passou a funcionar o ditado: “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. O rompimento de relações diplomáticas com Cuba e a participação brasileira, na vergonhosa intervenção da OEA (sob os auspícios do governo dos Estados Unidos) na República Dominicana, deixaram claras as intenções dos golpistas: aderir aos princípios da Doutrina de Segurança Nacional, sistematizados na geopolítica da Guerra Fria. A opção trouxe “resultados”; a administração Lyndon Johnson logo concedeu o empréstimo de 50 milhões de dólares ao governo Castelo Branco. Esse foi o preço pago pela nossa soberania. Cabe destacar que a política externa dos governos militares não foi homogênea. O governo Geisel, por exemplo, ousou colocar em prática o pragmatismo responsável que deu certa autonomia ao país para definir relações bilaterais privilegiadas que fugiram à lógica do mundo bipolarizado.

De um modo geral, pode-se afirmar que o legado mais nocivo e pernicioso do golpe de 1964 foi o de ter abortado a saudável experiência de independência e de autonomia colocada em prática no início dos anos sessenta. Provavelmente essa perspectiva ficou perdida. Mesmo com a redemocratização do país nos anos 80, tais princípios continuaram em segundo plano, cedeu ao discurso pragmático de “inserção do Brasil na ordem mundial globalizada”. A política externa brasileira não pode se limitar em agência auxiliar para transformar o Brasil em uma “colônia” próspera. O seu objetivo deve ser o de somar esforços para a construção de uma nação soberana, capaz de contribuir para colocar um ponto final nas diversas assimetrias da ordem internacional.

Sidney Ferreira Leite
Doutor em História Social pela USP. É docente no curso de
relações internacionais / Belas Artes, e também, na Fundação Casper Líbero.

Cenários

Retrospecto do relacionamento Brasil-Iraque

Introdução

Brasil e Iraque iniciaram relações diplomáticas em 1.º de dezembro de 1967. Em 1968, o Brasil instalou sua Embaixada em Bagdá, capital iraquiana, simultaneamente com a Embaixada em Damasco, na Síria. O Iraque credenciou, em 1971, seu primeiro embaixador no Brasil. Em 1972, o Brasil estabeleceu uma Missão Permanente em Bagdá.

Nos anos 70 e 80, as relações bilaterais se desenvolveram, sobretudo no campo comercial e o volume desse intercâmbio atingiu níveis consideráveis. Segundo o Itamaraty, em 1980, o comércio total entre os dois países chegou a US$ 4,1 bilhões; no mesmo ano, criou-se o Banco Brasileiro-Iraquiano; e nos anos posteriores o intercâmbio foi diminuindo, pois em 1985 foi de US$ 2.435,0 milhões; em 1987, US$ 1.740,0 milhões e, em 1989, US$ 1.817,9 milhões.

Já em 1998, o Banco Brasileiro-Iraquiano entrou em regime de liquidação ordinária por causa da quebra nas relações comerciais com o Iraque, determinadas pelo embargo econômico imposto àquele país pela Organização das Nações Unidas – ONU.

Dito isto, cumpre esclarecer que o objetivo desta comunicação é realizar uma breve análise do relacionamento que o Brasil vem desenvolvendo com o Iraque, principalmente desde o período do governo Figueiredo (1979/85) até o II pós-Guerra do Golfo – anos 90.

Ao longo do texto, mostrar-se-á que apesar das imensas diferenças culturais, o Brasil conseguiu sustentar um relacionamento comercial com o Iraque, um país tão rico em matéria de cultura e recursos naturais; além disto, manteve a flexibilidade nas negociações, mesmo existindo divergências em suas respectivas ideologias políticas.

Nossa análise se comporá de duas partes: a primeira, debruçada mais sobre o aspecto político-estratégico, abrangerá a política externa brasileira do não alinhamento e sua continuidade pelo governo Figueiredo; na segunda, a ênfase recairá sobre a esfera econômica, quando apresentará a intensificação do comércio bilateral Brasil–Iraque, além da atuação destacada de algumas empresas brasileiras naquele país, bem como, perspectivas futuras.

Parte I

O Pragmatismo da Política Externa Brasileira no relacionamento com o Iraque

Desde o governo Garrastazu Médici (1969/74), com a atuação do ministro Mário Gibson Barbosa, no Itamaraty, o Brasil começou a desvincular-se de sua tradicional política externa – de alinhamento automático aos Estados Unidos (1) – para assumir uma posição denominada como “pragmática”, defensora de uma aproximação com os países que oferecessem vantagens que pudessem interessar às aspirações nacionais de desenvolvimento econômico.

Nesses termos, durante o governo Ernesto Geisel (1974-1979), o Brasil manteve relações preferenciais com o Iraque, a Arábia Saudita e o Irã. O Itamaraty passou a apoiar os palestinos e a votar contra Israel no âmbito da ONU.

Nessa época, o Iraque era visto como aliado estratégico do Brasil, que ainda sofria o impacto negativo do duplo choque do petróleo, em 1973 e 1979. Bagdá passou a ser, então, um dos principais fornecedores de petróleo ao País.

As negociações foram facilitadas pelos interesses mútuos entre os dois países; o Iraque chegou a trocar petróleo por frangos congelados, automóveis e, na área militar, desde carros de combate até tecnologia nuclear, pois Saddam Hussein também almejava esta tecnologia, no intuito de fabricação de mísseis.

Estabeleceu-se então uma sólida parceria entre os emissários iraquianos, representantes de Saddam, com empresários e diplomatas brasileiros, os quais articularam não só a cooperação na área nuclear, mas também, na científica e tecnológica, além da que ocorreu na indústria bélica. Empresas como a Odebrecht, Camargo Correia e Mendes Júnior instalaram-se em Bagdá com operários, administradores e engenheiros, recebendo assim uma atenção especial das autoridades iraquianas.

Em resumo, o “pragmatismo responsável” – iniciado no governo Ernesto Geisel (1974/79) – também perdurou no mandato do presidente João Figueiredo (1979/85), pois é a partir desse período de tempo que nossa análise deter-se-á um pouco mais.

Já em seu discurso de posse, o então presidente Figueiredo afirmou sua intenção de manter a orientação pragmática da política externa adotada por seu antecessor, Ernesto Geisel, privilegiando o estabelecimento de relações comerciais com países que propiciassem vantagens ao desenvolvimento nacional.

Nesse pragmatismo político, buscou-se intercâmbio até mesmo com nações que haviam adotado uma orientação econômica e política diferente da nossa, ou seja, além do relacionamento com países capitalistas, passamos a tratar também com os países que adotaram os sistemas socialista e comunista.

Assim, as inúmeras viagens do presidente Figueiredo ao exterior, acrescidas de outras tantas visitas de chefes de Estado que o Brasil recebeu tinham como fundamentos, assinalados em notas conjuntas, o fortalecimento do diálogo Sul-Sul, o revigoramento do princípio da não-intervenção, a proscrição do colonialismo, a condenação à discriminação racial e o combate ao protecionismo adotado pelos países desenvolvidos, entendido como forma de asfixiar as economias dos países emergentes.

Foi neste contexto que as relações bilaterais entre Brasil e Iraque se intensificaram e sobre as quais nossas atenções se voltarão a seguir.

Na década de 80, durante o governo Figueiredo, o Brasil vendeu 27 toneladas de “yellow cake” para o regime de Saddam Hussein. O yellow cake é a primeira fase de beneficiamento do urânio, fundamental para a produção do combustível de usinas nucleares, ou do plutônio, essencial para a bomba atômica.

O negócio foi confirmado em 1991, depois da I Guerra do Golfo, quando os inspetores da ONU descobriram o arsenal iraquiano, mas na época ninguém do governo brasileiro quis fazer declarações. Atualmente, alguns militares admitem falar ostensivamente sobre o assunto.

O almirante brasileiro, Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-coordenador do programa nuclear da Marinha brasileira – que conseguiu dominar o ciclo completo da tecnologia nuclear para fins pacíficos – comentou que a venda de yellow cake ao Iraque “foi um negócio contraproducente para o Brasil e a Marinha não participou dele”.

Outro almirante, Hernani Fortuna, ex-secretário-geral da Marinha, endossa a afirmação de seu colega: “Aquela negociação com o Iraque foi um erro estratégico, porque o governo não deveria vender urânio enriquecido ao Iraque ou a qualquer outro país, pois a tecnologia, nessa área, deve ser patrimônio do Estado”. É bom lembrar de que, na época, havia uma proibição do próprio governo brasileiro de se comercializar qualquer tipo de urânio para fora do País.

Um coronel do Exército brasileiro, que prefere o anonimato, disse que a transação com Bagdá teve a participação e o estímulo do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), com o aval da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e do Itamaraty.

Com o apoio do Itamaraty, o governo brasileiro aprovou uma cooperação com a participação do principal especialista brasileiro na área espacial, o brigadeiro Hugo de Oliveira Piva. Ele ajudaria na instalação de um centro de excelência, semelhante ao Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) brasileiro e no desenvolvimento da tecnologia de um míssil tático (de pequeno alcance).

Mas Piva teria condições de desenvolver um projeto de artefato nuclear, que não chegou a ser executado. O militar admite que o Iraque “tinha interesse em um projeto para a bomba atômica, que levava em conta o fato de Israel já possuir um arsenal nuclear. /…/ O projeto nuclear iraquiano sofreu um grande atraso quando os israelenses bombardearam a usina nuclear de Osirak, em 1981”.

Já um projeto do míssil estratégico de maior alcance, denominado Piranha, desenvolvido pelo CTA, também foi solicitado pelo governo de Bagdá, mas sofreu algumas restrições do Itamaraty e da área militar. Mesmo assim, a tendência, no fim dos anos 80, era de que o governo brasileiro acabasse garantindo a tecnologia para o míssil estratégico. Porém, com a guerra do Golfo (1990), os Estados Unidos pressionaram ao Brasil para que encerrasse a cooperação com Bagdá.

Com o fim da Guerra (1991), as relações do Brasil com o Iraque tiveram que ser redimensionadas, dadas às circunstâncias decorrentes do conflito e os limites definidos pelas sanções do Conselho de Segurança da ONU, incluindo a suspensão das relações comerciais do Brasil com o Iraque e vice-versa, às quais o Brasil aderiu sem reservas. Desta forma, as relações diplomáticas com o Iraque reduziram-se ao mínimo e o intercâmbio comercial foi suspenso.

A embaixada brasileira, em Bagdá, foi desativada e àquela instalada em Amã, na Jordânia, passou a responder pelos negócios com o Iraque, enquanto cessaram as importações, as exportações e as transações financeiras.

Desde 1991, o Itamaraty enviou missões administrativas a Bagdá, chefiadas em nível de secretariado, para averiguar as condições do imóvel da Chancelaria, fazer o inventário e renovar o contrato de aluguel. A última dessas missões ocorreu em outubro/novembro de 1999.

Dado seu isolamento internacional, o Iraque tem buscado normalizar as relações diplomáticas com diversos países, entre os quais o Brasil. O Governo iraquiano dá mostras de que pretende o progressivo restabelecimento das relações aos níveis pré-1990 e o restabelecimento do intercâmbio comercial bilateral.

Por sua vez, o Brasil tem adotado a seguinte postura: observância das Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas e espera da normalização das relações do Iraque com a comunidade internacional, mediante o cumprimento das resoluções do referido Conselho.

Parte II

Atuação de algumas empresas brasileiras no Iraque
e perspectivas futuras

– Cia. Mendes Júnior –

O Iraque foi um grande parceiro comercial do Brasil entre o final dos anos 70 e início da primeira Guerra do Golfo, em 1991; a construtora Mendes Júnior, por exemplo, construiu estradas de ferro e uma estação de bombeamento de águas naquele país, de 1978 a 1990.

Com as duas guerras travadas pelo Iraque – uma contra o Irã e a outra com a invasão iraquiana do Kwait – vieram as dificuldades econômicas e assim, o governo de Saddam Hussein ficou devendo US$ 671,6 milhões à empresa brasileira. Representantes da Mendes Júnior afirmam que o governo brasileiro aceitou saldar o passivo, via Banco do Brasil, embora seu valor não tenha sido quitado.

Na verdade, o Iraque permitia ao Brasil garantir um maior equilíbrio da balança comercial, pois aquele país aceitava comprar produtos e contratava os serviços brasileiros. Nos anos 80, o Iraque era um dos poucos países que não exigia garantia de crédito de bancos estrangeiros para contratos firmados com o Brasil, sendo o Itamaraty o agente que intermediava as negociações.

A Mendes Júnior assinou novo contrato, em 1981, para a construção de 128 quilômetros da Expressway, ferrovia que vinha da fronteira com a Jordânia até a do Kuwait. O Iraque, porém, começou a atrasar os pagamentos, por ter passado a concentrar suas despesas orçamentárias na guerra contra seu vizinho, o Irã.

O então presidente, João Figueiredo, escreveu uma carta a Saddam Hussein, pleiteando a solução das pendências, e com isso a situação se agravou, em 1987, pois a construtora brasileira suspendeu as obras e deu início ao processo de cobrança na Corte Internacional de Comércio, em Paris.

Saddam irritou-se perante tal atitude. Exigiu então que a Mendes Júnior retomasse as obras, ameaçando cortar o fornecimento de petróleo para o Brasil. Vale dizer, o país receberia petróleo do Iraque, que descontaria os valores devidos do passivo negociado junto ao Banco do Brasil. Todavia, com a II Guerra do Golfo, em 1991, a Mendes Júnior retirou todos os seus funcionários do Iraque.

– Cia. Volkswagen –

A história da Volkswagen no Brasil começou no dia 23 de março de 1953, em um armazém alugado, no qual, iniciou a montagem dos primeiros Fuscas com peças importadas da Alemanha.

Essa filial brasileira é a única empresa do hemisfério Sul com um Centro de Engenharia capaz de projetar e produzir automóveis de aceitação mundial, como o Gol, exportado para vários países, Santana 2000 (também produzido na China), Nova Parati, Nova Saveiro, além da Brasília e do Passat, que foram sucessos de venda nos anos 70 e 80.

A fábrica de São Bernardo do Campo fechou, nos anos 80, o maior contrato de exportação da história da indústria automobilística, e impediu uma onda de demissões em massa, no ABC paulista, em virtude do seu comércio exportador ao Iraque, com a fabricação do Passat.

Passat ou “Brazili” – um caso de amor

O iraquiano vive(u) um caso de amor com o Passat, não o modelo importado atual, que é sonho de consumo da geração de alta renda, mas o carro brasileiro que reinou nas ruas e estradas do país, nos anos 80; é dessa época a primeira leva de exportação do automóvel para o Iraque. Como nos vidros traseiros os veículos traziam o adesivo “Made in Brazil”, desde então o Passat é conhecido no Iraque como “Brazili”.

O Brazili é muito querido entre a população iraquiana, devido ao baixo custo e manutenção. Atualmente, um modelo ano 1988, o último a ser exportado, pode custar até US$ 4.000, e também porque os “Brazilis” são o sonho possível da classe média iraquiana de ter um carro próprio.

A Volkswagen brasileira exportou 170 mil Passats para o Iraque, entre 1983 e 1988; todos têm quatro portas, ar-condicionado, luz para leitura no banco traseiro e cores mais ao gosto dos iraquianos, como o discutível verde-abacate.

Numa iniciativa inédita até então entre os dois países, trocavam automóveis por petróleo, o qual era revendido depois à Petrobras.

Há Brazilis em todos os lugares, de todas as cores e estilos. Criativo, o iraquiano os pintou de tonalidades, digamos, mais alegres do que as convencionais ou oriundas da fábrica.

Com relação ao combustível não é exatamente um problema para os iraquianos, pois com apenas três dólares compravam-se cem litros de gasolina especial e o valor caia pela metade na gasolina do tipo comum.

– Cia. Braspetro –

A Petrobras Internacional S/A – Braspetro, atuante nas atividades de extração e industrialização petrolíferas, e na prestação de serviços técnicos e administrativos no exterior, teve destacada atuação comercial com o Iraque, tanto que no auge das relações entre os dois países, entre as décadas de 70 e 80, 42% do óleo cru importado pelo Brasil eram provenientes do Iraque.

As compras brasileiras de petróleo iraquiano declinaram em razão da Guerra Irã–Iraque (1980), voltando a elevar-se após o fim do conflito (1988), até atingir o percentual de 60% do total das importações brasileiras do produto.

– Atuação de outras Empresas –

Com o Iraque, empresas como Sadia, Massey Ferguson e Odebrecht, iniciaram suas “aventuras exportadoras”, em uma época em que poucas companhias vislumbravam outros mercados. Também coube às empreiteiras brasileiras, os serviços de construção civil, como os mais de 500 quilômetros de estrada duplicada que ligam Bagdá à fronteira com a Jordânia, além da construção de ferrovias.

Na mesa do iraquiano, o produto brasileiro é bastante conhecido e apreciado, visto que durante a década de 80, período que compreendeu a guerra Irã–Iraque (1980/88), o Brasil exportou cerca de US$ 150 milhões em carne de frango congelado. À frente do negócio estava o atual ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, à época atuando na Sadia.

Atualmente, a população iraquiana consome, além do frango, carne bovina, café e açúcar brasileiros, provenientes do programa Petróleo por Comida da Organização das Nações Unidas (ONU), pois desde o inicio da I Guerra do Golfo (1990), o Iraque está sob o regime de embargo econômico.

Perspectivas mais recentes

Foi justamente o histórico de um relacionamento que se provou eficaz, em períodos de normalidade política, que levou um grupo de empresários iraquianos, refugiados e radicados no Brasil há mais de 15 anos, a criar uma nova Câmara de Comércio e Indústria Brasil–Iraque, em 2003; uma organização sem fins lucrativos que já está trabalhando para reacender as relações comerciais com o Brasil, país ao qual estes empresários devem bastante, principalmente o “ativo” de uma identidade cidadã, direito que lhes foi tomado em um triste episódio da história do seu país natal.

De acordo com o presidente da referida Câmara, Jalal Chaya, a reconstrução do Iraque, país que foi praticamente destruído com a invasão dos Estados Unidos e aliados, abre não só grandes chances para conglomerados dos países que apoiaram a ofensiva militar, bem como daqueles que tinham boas relações comerciais antes do embargo comercial imposto pelas Nações Unidas há cerca de 15 anos. O objetivo da reabertura da Câmara é tentar levar o Brasil a (re)conquistar mercados Iraquianos.

Cumpre assinalar que a primeira Câmara, criada em 1974, acabou sendo extinta com o embargo imposto pela ONU, devido ao uso da força armada em uma rebelião na região norte do Iraque, onde a minoria curda foi esmagada, tendo como conseqüência milhares de mortos entre 1974 e 1975.

Por outro lado, é preciso um certo cuidado ao receber as notícias sobre o afastamento do Brasil (e dos demais países que se opuseram formalmente à invasão norte-americana no Iraque, como França, Alemanha e outros) nos projetos de reconstrução do país.

Trata-se apenas do afastamento formal do Brasil dos projetos de concorrência internacional para o fornecimento de mercadorias e serviços, o que não impede que exportemos para a iniciativa privada, ou mesmo que venhamos a participar de projetos como fornecedor de empresas localizadas em países ganhadores de tais concorrências.

Para Jalal Chaya, a abertura do mercado iraquiano às exportações de países amigos terá impacto direto nos custos dos produtos brasileiros. Com o fim da intermediação (de terceiros países), explicou Chaya, “os custos dos produtos no mercado iraquiano cairão pelo menos 30%, permitindo forte ganho de competitividade”. A Câmara comercial calcula que os exportadores brasileiros poderão “faturar” pelo menos US$ 6 bilhões até 2009, com média anual de cerca de US$ 1,2 bilhão. Esse montante, porém, não representa nem mesmo metade dos US$ 3,3 bilhões que o Brasil exportava na década de 80 para o Iraque.

Ainda de acordo com Jalal Chaya, o “salário” de apenas US$ 2 que os iraquianos recebiam até antes da invasão do país por tropas dos Estados Unidos e seus aliados (2003), saltou para US$ 500. “O mercado iraquiano, de quase 30 milhões, é um dos maiores da região”, e os EUA vão injetar US$ 80 bilhões para reconstruir o país.

Mesmo que alguns países “amigos” do Iraque não venham a fazer parte da reconstrução de sua infra-estrutura, já existe pelo menos 14 mil editais para as compras governamentais, e para o Brasil, a construção civil e o setor alimentício são “armas” a serem aproveitadas por empresas brasileiras.

Considerações finais

Como vimos, houve pontos positivos e negativos na relação bilateral Brasil-Iraque, os quais foram importantes, pois o Brasil se infiltrou em um mercado em que poucos países tinham acordos preferenciais ou privilégios comerciais como a política do “petróleo por comida”, além de outros produtos e da prestação de serviços por parte de algumas grandes empresas brasileiras.

Por outro lado, houve negociações na área militar onde o Brasil se encontrou em uma situação arriscada com relação à sua soberania, face à troca de tecnologia e à venda de urânio ao Iraque para a fabricação de mísseis balísticos, a serem utilizados contra o Irã, desrespeitando assim o princípio de que a tecnologia militar é de propriedade exclusiva do Estado.

Vimos também como o comércio bélico foi um capítulo um tanto nebuloso nesta história da política externa brasileira, na década de 80, pois somente em 1991 – com as investigações realizadas pela ONU – foram então descobertas e divulgadas pela mídia.

Encerrada “oficialmente” a guerra contra o Iraque de Saddam Hussein, em 2004, começa a guerra pelo Iraque pós-Saddam com a resistência da população nativa. Com o país destruído pelas bombas da coalizão – formada por 34 países sob a liderança dos EUA -, e pelos 13 anos de embargo econômico imposto pela ONU (1990–2003), criou-se então uma disputa entre as principais potências econômicas pelos contratos iraquianos para a reconstrução do país, e o Brasil pode sair ganhando através de futuros contratos por meio de iniciativas privadas.

“A América Latina, nesse período de guerra, ficou em bastante evidência para os investidores”, afirma o especialista em planejamento tributário, Sidnei Bizarro (Bizarro e Associados, 2003). Para ele, no entanto, a política econômica do governo Lula foi um fator ainda mais importante para garantir a confiança dos organismos monetários internacionais. Esta perspectiva tem uma visão idealista, ou seja, que haverá oportunidades ideais para a volta e a possível expansão do comércio bilateral entre Brasil e Iraque.

Porém há uma perspectiva com uma visão mais realista, ou seja, baseados em fatos ocorridos no passado, nos quais acredita-se que poderão se repetir novamente. O historiador, João Francisco Tidei de Lima (da Unesp), defende esta posição; para ele, os “efeitos positivos” da guerra para o Brasil são “transitórios e circunstanciais”. Na sua avaliação, os benefícios da reconstrução e dos petrodólares iraquianos vão mesmo ficar nas mãos das grandes potências econômicas.

Ideologias à parte, o fato é que as avaliações apresentadas acima demostram o papel que o Brasil desempenhou e ainda pode desempenhar no cenário internacional, e as possibilidades que lhe serão apresentadas, tendo como pano de fundo a disputa acirrada entre os Estados tanto do Norte quanto do Sul pela conquista de novos mercados tal qual o iraquiano que, para nós brasileiros, terá sabor de reconquista.

Nota:
(1). Na verdade, o rompimento com esse alinhamento automático teve início com o governo Jãnio Quadros (1961) e prosseguiu com o governo João Goulart (1961/64) através da Política Externa Independente, rompida com o Golpe de 31 de março de 1964.

Referências Bibliográficas

Agência Brasil – Radiobras
www.radiobras.gov.br/

ATTUCH, Leonardo. Saddam, o amigo do Brasil: a história secreta de Bagdá. São Paulo: Qualitymark, 2003.

BIZARRO & ASSOCIADOS. Desenvolvimento Empresarial Ltda.
www.bizarroeassociados.com.br/

CÂMARA DE COMÉRCIO BRASIL-IRAQUE
www.brasiliraq.com.br/pdf/Artigo1.pdf

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. São Paulo: Ática/Atena, 1992.

JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO
www.folha.com.br/

JORNAL DO COMMERCIO DO RIO DE JANEIRO
www.jornaldocommercio.com.br/

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL
www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/relacoes/africa/iraque.asp

REVISTA AMANHÃ
amanha.terra.com.br/

REVISTA ISTO É
www.terra.com.br/istoe

VIZENTINI, Paulo; FORTES, Alexandre; LEAL, Maurício Balthazar. Relações internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.

Cintia Auda & Evandro de Almeida
Acadêmicos do 3º. Semestre do Curso de Relações Internacionais do
Unicentro Belas artes.
Texto de pesquisa inicialmente apresentado à disciplina de Economia Política Internacional, e ajustado para publicação.

Caminhos da humanidade...

O que se esconde atrás do Muro?

O objetivo deste artigo é essencialmente responder a seguinte pergunta: por que Israel decidiu construir uma cerca de segurança em volta dos territórios palestinos?. Para responder a questão devemos identificar, em primeiro lugar, a história dos territórios ocupados para, em seguida, discutir as motivações políticas e de segurança do atual governo do primeiro-ministro Sharon

Uma breve história dos territórios ocupados

O mapa abaixo mostra o território israelense que se configurou após a Guerra da Independência até a Guerra de 1967, também conhecida como a Guerra dos Seis Dias. Neste período (1949-67), estrategicamente, dois pontos eram especialmente sensíveis para os Israelenses: ao norte, as Colinas de Golan; parte do território sírio que – por sua localização privilegiada de planalto – constantemente atacava as colônias judaicas localizadas no Galil; e ao centro, Jerusalém; que estava dividida entre ocidental – sob o controle israelense – e oriental – sob o controle da Jordânia, incluindo aí a Cidade Velha.

Fonte: http://www.eifo.com.br/aramap2.html

Politicamente, às vésperas da Guerra de 1967, ao sul, Israel enfrentava o nacionalismo árabe, representado por Nasser que já havia sido derrotado na Campanha do Sinai, em 1956; ao norte, a Síria também era governada pelo nacionalista, Hafez al-Assad, que tinha uma forte aliança estratégica com o Egito, além de controlar política e militarmente o Líbano; finalmente a maior extensão territorial de fronteira de Israel era junto à Jordânia, liderada pelo Rei, Hashemita Hussein.

O período que precedeu a Guerra de 1967 foi caracterizado pela crescente escalada da tensão na região, marcada por discursos nacionalistas anti-sionistas, especialmente no Egito e Síria e por vários episódios de pequenos ataques vindos especialmente do território sírio. A Jordânia do Rei Hussein não estava especialmente disposta a entrar em conflito com Israel, considerando a sua grande desvantagem do ponto de vista militar, entretanto o rei temia pela própria estabilidade do seu regime, caso não se juntasse ao Egito e à Síria; especialmente considerando que mais de 90% da população era palestina, largamente formada por refugiados de 1948 e naquele momento, o país era base da operação da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) liderada por Yasser Arafat.

Na manhã de 5 de Junho de 1967, munido de informações dos órgãos de inteligência que indicavam a eminência de um ataque da coalizão árabe, Israel decide lançar um ataque antecipado para se proteger da ação militar do inimigo. Desta forma a Força Aérea Israelense foi capaz de, em três horas, praticamente destruir todos os aviões do Egito, Síria, Jordânia e até do Iraque (que estava posicionado em território sírio para apoio à ação da coalizão).

Estas primeiras horas de combate foram determinantes para a continuação da guerra e para uma acachapante vitória do exército israelense, pois em apenas seis dias conquistou as Colinas de Golan sírias, Jerusalém oriental e toda Cisjordânia da Jordânia, além de toda a região do Sinai, incluindo a Faixa de Gaza, do Egito.

As fronteiras de 1949 são conhecidas internacionalmente como a linha verde, como o território legalmente reconhecido pela comunidade internacional, e portanto, os territórios pós-1967, para além da linha verde, não são legalmente reconhecidos como israelense. O mapa abaixo mostra o resultado da guerra:

Fonte: http://www.eifo.com.br/aramap2.html

Posteriormente as Colinas de Golan foram anexadas ao território israelense e o Sinai devolvido aos Egípcios, no acordo de paz de Camp David, entretanto, a faixa de gaza permaneceu como território ocupado israelense, não porque Israel não quisesse devolver aos egípcios, mas por que estes afirmam que a região deve ser parte de um futuro Estado palestino; mas na verdade os egípcios não queriam o território, pois o mesmo tem a maior densidade populacional do mundo, formada por uma população palestina consideravelmente miserável.

Por outro lado, Jerusalém Oriental foi unificada com a parte ocidental, enquanto a Cisjordânia permaneceu como território ocupado como moeda de barganha em uma negociação de paz com a Jordânia; e como zona de segurança em relação a não só possíveis ataques da Jordânia, mas como forma de prevenir as ações de grupos terroristas como a OLP. Aos poucos, durante as décadas de 1970 e 1980, os sucessivos governos israelenses – de esquerda e direita (o Likud chega a primeira vez ao poder em 1977) – promovem a construção de colônias ou assentamentos, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, com intuito de garantir o efetivo controle da região.

No entanto, as colônias efetivamente começaram a se multiplicar sob o governo Likud; só em 1977 foram criadas 15 contra 23 criadas no período 1967 a 1976. Hoje já são mais de 140 colônias para além da linha verde. Para os governos de direita, colonizar a Cisjordânia não tinha apenas uma conotação de segurança como para os esquerdistas; tratava-se de povoar a Israel bíblica, ou seja, uma parte dos israelenses tende a considerar a Cisjordânia como parte integrante do território israelense, porque esta porção de território faz parte do mapa de Israel, quando os judeus controlavam a região há mais de dois mil anos atrás e, portanto, cada vez mais essas colônias passaram a ser formadas por religiosos judeus, que muitas vezes migram dos Estados Unidos ou França para ocuparem algo que estes consideram parte da “terra prometida dada por Deus”.

Deve-se frisar que no período pós-1967 – a exceção das Colinas do Golan e Jerusalém Oriental – passou a prevalecer o Direito de Ocupação conforme regulamentado pela Convenção de Genebra, portanto os palestinos passaram a conviver com a constante presença militar, com a invasão de colônias, com o alastramento da miséria e enfim, com o significado de não ser um cidadão o que implica na ausência do passaporte, do direito de ir e vir, do direito ao voto e outros direitos considerados básicos em qualquer sociedade ocidental.

Finalmente, em meados de 1987, os filhos da ocupação passam a se revoltar e de forma espontânea, começam a combater os soldados israelenses diariamente com apenas pedras nas mãos. A chamada Intifada foi um movimento popular, mas a liderança da OLP soube capitanear o momento e em meados da década de 1990 renuncia ao terror, reconhece o Estado de Israel e negocia a paz com os israelenses, processo este que resultou nos acordos de Oslo, de 1993, e na criação da Autoridade Palestina sob o comando de Arafat.

Os acordos de Oslo deveriam ser acordos intermediários até que fosse negociado um acordo definitivo de paz, a fins de resolver questões delicadas como a completa desocupação da Cisjordânia e Gaza, o status de Jerusalém, o status dos refugiados de 1948, entre outros tópicos.

Ao mesmo tempo, em meados da década de 1990, os oponentes – de parte a parte – ao progresso do processo de paz apareciam de forma bastante acentuada. Do lado palestino eclodia definitivamente o grupo terrorista Hammas, opondo-se a qualquer negociação com a “entidade sionista” e defendendo uma palestina livre dos sionistas. Sua estratégia de ação é a promoção de atentados terroristas contra alvos civis e militares israelenses de forma a desestabilizar o processo de paz, ou seja, à medida que eclodem atentados terroristas dentro da sociedade israelense, começa a se suscitar a questão da validade dos acordos de paz e do real compromisso de Arafat em combater o terrorismo.

Do lado israelense, a ultra-direita se “alimentava” do terror palestino, esbravejando contra a inutilidade dos acordos de Oslo e acusando Izaac Rabin de “traidor”. Por fim a retórica se transformou no assassinato do primeiro-ministro, Rabin, por um militante religioso de ultra-direita, Igal Amir, que se opunha ao processo de paz; em ultima instância seu objetivo era impedir os progressos do mesmo, assim como os militantes do Hamas, e de forma bizarra, os radicais de parte a parte se congratulam com o significado da morte de Rabin, pois após sua morte o direitista, Netanyahu, assume o poder acelerando a escalada da violência. O mesmo será sucedido pelo trabalhista, Barak, que sob os auspícios de Bill Clinton, busca negociar com Arafat um acordo definitivo em meio a mais uma nova onda de ataques terroristas.

Finalmente Sharon faz uma visita de “rotina” ao Monte do Templo, em Jerusalém, lugar considerado o mais sagrado pelos judeus, pois lá estava localizado o Grande Templo, enquanto lá hoje localiza-se o complexo da Mesquita de Omar e a Doma da Pedra, onde a alma do profeta Maomé teria ascendido ao céu, portanto o local é considerado um dos três mais sagrados ao islamismo juntamente com Meca e Medina na Arábia Saudita.

A visita de Sharon foi considerada pelo mundo árabe uma ofensa gravíssima, especialmente considerando o histórico de Sharon que participou ativamente na Guerra do Líbano, tendo inclusive acobertado o massacre de árabes muçulmanos por árabes católicos nos campos de Sabra e Shatila. O resultado foi a eclosão da segunda Intifada, que continua em curso e já tem mais de quatro anos. Posteriormente, em meio a violência dos ataques terroristas, Barak foi derrubado e Sharon eleito primeiro-ministro, em 2001.

A Construção do muro

Você provavelmente mora em uma casa ou em um prédio cercado por um muro e por mais algum tipo de sistema de segurança. Há cerca de 15 ou 20 anos atrás era difícil encontrar prédios ou mesmo casas cercadas por muros e com diversos sistema de proteção; o que aconteceu de lá para cá? Por que afinal você mora dentro de muros? Qualquer criança paulistana sabe que moramos atrás de muros e sistemas de segurança para nos protegermos da crescente violência da cidade de São Paulo, enfim na tentativa de evitar que sejamos roubados. Diante do problema de segurança, em São Paulo, e a crescente privatização dos mecanismos de segurança, na cidade, há algumas perguntas implícitas que devemos tentar responder: a construção de um muro em torno de sua casa é legal? Por que o Estado não impede que a violência cresça?

Em primeiro lugar, ninguém questiona a legalidade e a legitimidade de você cercar aquilo que é reconhecido como propriedade sua, e então, você tem todo o direito de tentar se proteger diante de ameaças externas. Em segundo lugar, provavelmente o Estado não acaba com a violência em São Paulo porque suas causas são estruturais (como por exemplo a extrema pobreza na periferia da cidade) e portanto, a solução está fora do seu alcance e assim, só lhe resta a alternativa de tentar reprimir a violência.

Utilizo-me desta história que você certamente conhece para que possamos discutir a criação do muro nos territórios palestinos. A idéia da construção do muro é uma idéia antiga que já esteve em discussão, em Israel, mesmo no âmbito de governos de esquerda, mas que por diversas vezes foi descartada dado o problema de alto custo, o questionamento sobre a efetividade do sistema de segurança e finalmente, porque havia um processo de paz em curso e, portanto, a medida poderia atrapalhar as negociações.

A sociedade, nos últimos anos, vem discutindo a construção do muro pela mesma razão que você pensa em cada dia como aumentar a sua segurança diante da violência do mundo aí fora, ou seja, o muro vem a contribuir para um aumento da “sensação” de segurança. Digo sensação porque de certo modo você sabe que o muro de sua casa e todo o sistema de segurança, montado em volta dela, não é capaz de definitivamente impedir que ocorra um roubo e, portanto, o sistema de segurança apresenta um aumento mais da “segurança psicológica” do que da “segurança real”. Desta forma, a construção de um muro nos territórios palestinos, do ponto de vista do cidadão de conhecimento médio, significa mais que nada a sensação de estar mais seguro; sensação esta que não necessariamente corresponde à segurança real, pois é pouco provável que os atentados parem mesmo com o muro concluído.

A decisão política da construção do muro vem, portanto, em meio a segunda Intifada, ou seja, uma onda crescente de atentados terroristas dentro do território israelense, acoplada a quase-morte do processo de paz; portanto, o clima político interno israelense tornou propício a construção do sistema de segurança de modo que a maior parte da população, mesmo os tradicionais militantes da esquerda tendem a apoiar a sua construção, simplesmente porque sentem a mesma necessidade psicológica de segurança que você sente.

Do ponto de vista da legalidade, ou seja, do Direito Internacional, o muro não deveria ser um problema desde que fosse construído sobre a linha verde, ou seja, dentro das fronteiras reconhecidas legal e internacionalmente, entretanto, várias partes do muro, projetadas ou já construídas, encontram-se depois da linha verde. Vejamos o mapa abaixo do muro:

Fonte: http://www.mideastweb.org/thefence.htm

Como pode-se perceber, o muro literalmente “encapsula” várias regiões palestinas; mapas mais detalhados inclusive mostram vários encapsulamentos aonde colônias israelenses são colocadas também dentro de muros (como se fora um Alphavile rodeado de favelas). Por conseqüência, o muro vem causando sérios distúrbios no dia a dia da vida de milhares de palestinos que têm de passar por vários “portões” (ckeck-points) para conseguir chegar ao trabalho, ir à escola, ter acesso à saúde, etc.

A legalidade do muro está sendo discutida dentro da Corte Internacional de Justiça; no caso “as conseqüências legais da construção do muro nos territórios ocupados da palestina” (acompanhe o julgamento pelo site http://www.icj-cij.org/icjwww/idocket/imwp/imwpframe.htm). Provavelmente a Corte deve chegar à conclusão da ilegalidade da construção do muro (1), justamente porque parte significativa dele está sendo construída para além da linha verde.

No entanto, qual a conseqüência prática deste julgamento? Provavelmente nenhuma, pois no sentido Realista mais puro, Israel é uma potência militar inquestionável, guiada por interesses próprios de defesa de sua segurança, e portanto, com ou sem apoio da comunidade internacional, Israel continuará a construir o muro.

Mas será tal muro capaz de impedir a escalada do terrorismo? Isto é improvável, pois o terrorismo se alimenta da miséria e do sentimento de marginalização que os palestinos sentem, e assim, os grupos terroristas devem encontrar outros meios para conseguir perpetrar seus ataques. Mas se o terrorismo continuará e o muro é ilegal então para que insistir na construção dele? Pela mesma razão que os condomínios em Alphaville, Morumbi ou Barra da Tijuca têm grandes cercas e sistemas sofisticados de segurança; porque isso aumenta a sensação de segurança de seus moradores, ao isolar os “ricos” dos “pobres”.

Finalmente, por que Israel, ou mais especificamente, a Autoridade Palestina não eliminam com o Hamas? Porque o Hamas não é simplesmente uma organização terrorista; ele é uma complexa rede social que provê serviços de creche, educação e saúde, apoiando a população aonde a Autoridade Palestina ou Israel não apóiam e, portanto, a força do grupo não é apenas o discurso ideológico, é sua força social.

É preciso lembrar que a maior parte da população palestina é absolutamente miserável e, portanto, as causas do terrorismo são forças estruturais que não podem ser combatidas sem que, de fato, haja um comprometimento internacional com o desenvolvimento socioeconômico da região.

Por outro lado, é verdade que a Autoridade Palestina fez e faz pouco para combater o Hamas, não só por medo da potencialidade de uma guerra civil, mas também, a Autoridade Palestina fez muito pouco para contribuir com o desenvolvimento da população palestina, isto porque grande parte dos oficiais da AP são corruptos. Em 10 anos os casos são notáveis; a mulher de Arafat, que reside em Paris, está sendo investigada pelo recebimento ilegal de US$ 10 milhões; o FMI investiga também o desvio de doações, feitas à AP, para contas privadas em bancos israelenses, totalizando US$ 900 milhões, além de outras dezenas de casos envolvendo largas somas de doações vindas dos Estados Unidos e Europa (veja http://www.palestinefacts.org/pf_1991to_now_pa_corrupt.php e http://www.eretzyisroel.org/~jkatz/corruption.html).

O mais recente escândalo envolve a produtora de cimento,
Al-Quds, de propriedade da família do Primeiro Ministro da Autoridade Palestina, Ahmed Qureia, que é considerada uma das maiores empresas do setor no Oriente Médio, e está sendo acusada por parlamentares palestinos de fornecer o cimento para a construção do referido muro (http://www.telegraph.co.uk/news/main.jhtml?xml=/news/2004/02/12/wmid12.xml).

Conclusão

Certamente o muro não é a solução para os problemas de segurança no Oriente Médio, pois ao mesmo tempo que ele aumenta a sensação de segurança, nos israelenses, causa mais ódio entre os palestinos, mas é e será mais uma realidade da região enquanto a solução definitiva não vem. A meu ver, a solução estaria no enriquecimento da população palestina, e não apenas de alguns elementos, mas isto parece também estar longe de ser possível, porque a liderança da AP se alimenta da miséria, em seus negócios corruptos, tanto quanto o Hamas se alimenta da pobreza de seu povo, provendo serviços sociais.

Nota do Editor.
(1). De fato, a Corte Internacional concluiu pela ilegalidade do muro, confirmando-se, portanto, as expectativas deste articulista, o qual enviara o artigo antes daquele veredicto.

Gilberto Sarfati
Mestre em relações internacionais pela Universidade Hebraica de Israel e doutorando em Ciência Política pela USP. É docente no curso de relações internacionais / Belas Artes; e Faculdades Rio Branco.

Eventos

UNCTAD na Universidade

A XI UNCTAD realizada em São Paulo, de 13 a 18 de junho/04, provocou eventos paralelos em torno de seus temas, principalmente das universidades paulistanas que abrigam o curso de relações internacionais.

Para tanto, contaram com o apoio da Secretaria Municipal de Relações Internacionais, através de Sua Excelência, o Sr. Kjeld Jakobsen e seu staff.

Por sua vez, ao Unicentro Belas Artes coube o privilégio de receber Sua Excelência, Salvador Arriola, cônsul-geral do México, em São Paulo que, juntamente com um dos docentes da casa, o Prof. Dr. Sidney Ferreira Leite, proferiram palestras sobre o tema: “Reunião mundial da Unctad e o desenvolvimento latino-americano”.

Nosso contributo à XI UNCTAD ainda se fez presente com a participação de alguns alunos, os quais foram selecionados e treinados pela Secretaria Municipal de Relações Internacionais, comparecendo ao Pavilhão de Exposições do Anhembi, na condição de voluntários da ONU, fomentando a organização e realização da mencionada Conferência Mundial.

Destacamos, portanto, a participação dos seguintes acadêmicos de RI: Ailson Reis; Atila Berardinelli; Gabriela Conrad; Joyce Payan; Carlos Leonel e Sérgio Bertarelli. Parabenizamos a todos pelo relevante trabalho, revestido de responsabilidade social, e ainda, por elevarem o nome do nosso Curso.

URBIS 2004

A URBIS 2004, em sua 3.ª edição, ocorreu em paralelo à XI UNCTAD, acolhendo representantes de cidades de várias partes do mundo.

Desta feita, mais uma vez um grupo voluntariado de nossos acadêmicos contribuiu para o sucesso deste evento promovido pela prefeitura paulistana, recepcionando os visitantes dos diversos Estandes que lá se instalaram.

Orgulhosos e agradecidos ficamos com a participação dos nossos acadêmicos de RI nos respectivos Estandes representativos das seguintes localidades:
Bruno Aoki e Felipe Garcia – Osaka (Japão)
Carolina Bronzatto – Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)
Diogo Stoppa – Flacma (EUA)
Lucas dos santos – Jericó (Israel)
Nathalie Herman – Marseille (França)

Aula Magna

“Nexos e reflexos do narcotráfico na América Latina”. Este será o tema em debate, no evento que recepcionará os calouros e veteranos de relações internacionais, na semana que dará início ao 2.º semestre letivo de 2004. E como de praxe, também será aberto a toda a Comunidade Febaspiana.

Como palestrante, teremos o privilégio de receber o Prof. e pesquisador, Thiago Rodrigues, mestre e doutorando em Ciência Política, e também, docente e coordenador do curso de relações internacionais, nas Faculdades Santa Marcelina / SP.

A referida palestra ocorrerá no auditório Prof. Raphael Galvez Dazzanni, dia 4 de agosto/04, a partir das 19h30. E após seu término, o Prof. Thiago autografará exemplares de seu livro recém-lançado, abordando o tema do narcotráfico.

Semana Diplomática

A 3.ª edição da Semana Diplomática transcorrerá de 10 a 14 de setembro próximo e cuja organização está sendo fomentada pela diretoria do Centro Acadêmico Sérgio Vieira de Mello.

Em breve será disponibilizada a completa programação com os respectivos partícipes.

Resenhas & Sinopses

Política Nuclear Brasileira

**Por Camila Benesi, Ailson Reis, Vanessa Olavo
e Tatiana Matsumoto.

O Brasil, mesmo sendo um país pacifista, necessita de investimentos no desenvolvimento de projetos nucleares, como o enriquecimento de urânio na aplicação da energia nuclear.

Consonante com nossa história econômica, nas décadas de 1940/50 o Brasil apresentou um invejável crescimento em sua economia, e data daquela época o início da corrida nacional em investimentos de pesquisa na área nuclear.

Porém, na década de 1970, devido ao primeiro choque do petróleo (1973), o Brasil passou por uma grave crise econômica, pois grande parte do petróleo consumido ainda era importado.

Não obstante, no decênio seguinte o Brasil amplia suas pesquisas nucleares, desenvolvendo significativamente a técnica de enriquecimento do urânio, utilizando-se da investigação já realizada sobre tal tecnologia e posta em prática por países mais desenvolvidos nessa matéria como Estados Unidos e Alemanha.

Com efeito, o desenvolvimento da energia nuclear é importante para nós, pois para o Brasil poder avançar industrialmente, será necessário o consumo de uma maior quantidade de energia em relação ao que recentemente é produzido e consumido no país.

Aliás, nós ainda sub-consumimos energia; no entanto, só as hidrelétricas não comportariam aumento de consumo, portanto é necessária a utilização também da energia nuclear como fonte complementar e alternativa secundária.

Secundária porquanto a prioridade nacional são as hidrelétricas, pois segundo o almirante, Otton da Silva, o parque hidrelétrico nacional “é mais valioso que as reservas de petróleo da Arábia Saudita”, além do que o petróleo é uma fonte de energia esgotável.

De acordo com da Silva, é necessário sabermos fazer uma boa gestão de nossas fontes, saber aproveitar os recursos energéticos, quando os temos e mesmo quando não os temos. Ele cita a França como um exemplo de país que é deficiente em fontes minerais e, portanto, utiliza-se da dominação dos recursos de países africanos para suprir suas necessidades energéticas.

A capacidade energética é um item representativo da qualidade de vida. Quanto maior o consumo de energia, maior é a qualidade de vida de um país; o Brasil necessita expandir sua capacidade energética, ampliando-a através da alternativa nuclear, além da produção das hidrelétricas, diz o Almirante.

De todas as fontes de energia que possuímos no Brasil, a energia gerada pela força hídrica é a mais abundante, posto que as hidroelétricas brasileiras são a maior fonte energética do país, e produzem a maior parte da energia consumida. Já as Fontes Térmicas – como sabemos – produzem energia através da queima de combustível fóssil e termonuclear. (O Brasil está investindo na produção de usinas termonucleares). Por sua vez, a energia produzida pela Biomassa (matéria orgânica usada como combustível), e pela força Eólica (movida pelo vento) servem apenas como fontes complementares.

Dado que a reserva brasileira de petróleo é pequena e haveria possibilidade da queima desse combustível fóssil para produção de energia, visto que seria necessária grande quantidade desta fonte para este fim, o que seria um problema, pois já há um grande consumo de petróleo para outras finalidades além do combustível.

Um dos problemas apresentados em relação à usina termelétrica reside no prazo de investimento em sua construção. É necessário pelo menos dez anos de investimentos para construção de uma termelétrica, prazo longo este em relação aos demais investimentos. Enquanto isso, a construção de uma barragem de usina hidrelétrica, além de levar menos tempo, apresenta múltiplas utilizações, quando bem planejada.

Deste modo, o Brasil precisa investir em mais estudos, programas e incentivar fundações de pesquisas em relação às fontes de geração de energia, principalmente a nuclear, que atualmente vem sendo a melhor alternativa secundária.

Houve recentemente uma certa polêmica internacional (diga-se norte-americana) em relação à política nuclear brasileira. O Brasil não permitiu a vistoria da usina nuclear localizada em Rezende, estado do Rio de Janeiro, o que provocou um questionamento mundial sobre a produção de armamentos nucleares por parte do Brasil.

Mas segundo o almirante, da Silva, a não permissão nacional à fiscalização deve-se ao sigilo tecnológico de produção de energia nuclear, afinal o Brasil detém conhecimentos suficientes para enriquecimento de urânio, utilizando-se de pouco investimento, porém com produção de qualidade. Isto tem provocado uma certa curiosidade por parte de outros países em conhecer a tecnologia nacional, arrematou da Silva.

A detenção de conhecimentos em energia nuclear resume-se não apenas numa questão econômica, mas também, numa questão de soberania nacional, a fim de evitar a dominação exclusiva dos países desenvolvidos em relação a estes recursos. Portanto, a polêmica gerada sobre o Brasil foi uma artimanha utilizada, principalmente pelos Estados Unidos, para poder conhecer a técnica nacional, uma vez que o Brasil se recusou a mostrar totalmente a forma como é produzida.

Na verdade, os norte-americanos alegaram preocupação com o Brasil sobre a produção de armas nucleares, visto que o país assinou o tratado de não-proliferação de armas nucleares, e assim, não poderia estar se recusando à fiscalização internacional; outro motivo alegado foi a não aceitação brasileira de assinar o Protocolo Adicional, no qual deveria permitir a inspeção às instalações em qualquer local do território brasileiro, mesmo que sem permissão.

Cumpre assinalar que a usina Angra I é de tecnologia americana, apesar de a Alemanha ter sido intermediária, quando o Brasil a adquiriu; já as usinas Angra II e III são de tecnologia alemã.

No que diz respeito às questões ambientais, os cientistas alegam que as usinas termonucleares contribuem menos com o efeito estufa e o único problema seriam os resíduos produzidos por elas, porém a questão residual não é apenas um problema nuclear, mas também, de outras fontes geradoras de energia. Ademais, a quantidade de resíduos nucleares produzida é bem inferior em relação às demais fontes. E as usinas hidrelétricas também apresentam questionamento em relação aos problemas ambientais, como por exemplo, o alagamento e a fumaça.

A título de resumo conclusivo, pontuamos a seguir algumas observações proferidas pelo almirante, Othon da Silva.

– Segundo ele, na década de 90, a inspeção nuclear era mais confiável, pois os segredos tecnológicos eram preservados, verificando-se apenas se realmente não estavam sendo produzidos armamentos nucleares.

– O Brasil detém a sexta reserva mundial de urânio, mas de fato, há muito mais do que as regiões que já são conhecidas, estando as três maiores reservas mundiais com EUA, Austrália e Rússia.

– Somos um país onde não se desenvolve artefatos nucleares, mas a comunidade científica nacional detém conhecimento suficiente para produzi-los, caso seja necessário.

– O Brasil exportava inicialmente o urânio “in natura”, mas atualmente o exporta enriquecido. Nosso país não tem interesse apenas na exportação de seus recursos energéticos, mas utiliza-se da venda deste minério para adquirir capital com o fito de investir na construção de suas instalações nucleares (que já chegaram a ficar paralisadas por 10 anos por falta de investimentos).

*. Resenha elaborada sobre a Palestra proferida pelo almirante, Otton da Silva, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em 9 de Junho de 2004.
**. Acadêmicos do 2.º semestre de Relações Internacionais /Belas Artes, os quais compareceram à citada Palestra, acompanhados do Prof. Dr. Nilson Araújo de Souza, titular das disciplinas de Economia Política, Formação Econômica e Social do Brasil e Economia Brasileira Contemporânea.

Energia atômica para fins pacíficos

*Por Adrine Curcio, Felipe Lopes, Kleber Gonçalves e Sislene de Souza.

Quando ouvimos falar de energia nuclear, pensamos rapidamente em bombas atômicas e catástrofes diversas. Mas uma usina nuclear, voltada para a produção de energia, é algo totalmente seguro e muito mais complexo que a produção de uma bomba. Entre ambas existe uma diferença crucial: a bomba nuclear é resultado de uma reação em cadeia e descontrolada, enquanto na produção de energia essa reação é cuidadosamente controlada.

Todo país, convenhamos, precisa de fontes de energia, e isso torna indispensável uma boa gestão dessas fontes, para se obter os investimentos necessários na área e seu uso consciente. O uso da energia elétrica, por exemplo, demonstra indícios do padrão de vida dos países.

Atualmente, o compartilhamento da era nuclear é fundamental e parece ser muito adequado ao perfil do nosso país, levando em conta nossa tecnologia própria e o acesso à matéria-prima principal, o urânio.

Apesar disso, nos deparamos com um gargalo econômico, onde a construção de usinas nucleares envolve gastos iniciais elevados, porém esse problema pode ser minimizado a partir da venda – para outros países – do urânio in natura, direcionando os superávits para a implantação de novas usinas.

Um problema que ainda necessita de solução é o fato que os resíduos nucleares devem ser armazenados longe do contato humano por serem perigosos, e isso pode causar problemas sérios para as futuras gerações.

Não podemos nos esquecer também do problema da espionagem, roubo de informações e até mesmo sabotagem industrial e de estudos científicos por parte de outros países, tornando a segurança de informações um importante aliado da tecnologia.

Tecnologia esta que, convenhamos, só pode ser obtida com o estímulo a pesquisas e condições para experimentações, considerando-se ainda políticas pacifistas e benéficas, tal qual a brasileira, na busca de uma forma mais limpa e sustentável de energia.

O Brasil, segundo o almirante, Othon da Silva, possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, o que lhe permitirá o suprimento doméstico durante os próximos 100 anos, além de destinar o excedente para o mercado externo. Esse é o motivo do grande interesse no minério brasileiro por outros países, como a China e EUA. Apesar disso, o Brasil precisa de ajuda externa (Canadá e Europa) para enriquecer seu urânio; nos últimos anos não foram feitas novas sondagens em pesquisa de reservas de minérios, e atualmente, é extraído apenas o necessário para o abastecimento das Usinas Nucleares de Angra I e II.

As maiores reservas – medidas em toneladas – são lideradas pelo Cazaquistão (957 mil), Austrália (910 mil), África do Sul (369 mil), EUA (355 mil), Canadá (332 mil), enquanto a reserva brasileira é estimada em 309 mil toneladas e há potencial para serem elevadas, já que foram explorados apenas 25% do território nacional (INB).

Todo país precisa dirigir energia para saneamento, indústrias, transportes, etc. Na década de 90 tivemos uma experiência muito negativa, época que ficou conhecida como (mais uma) década perdida, devido à falta de investimento no setor energético, o que impediu o desenvolvimento e crescimento da sociedade.

Não obstante, a energia elétrica é assunto de todos os dias; é um fator muito importante para assegurar o crescimento econômico de um país e a qualidade de vida da população.

A demanda doméstica de energia continua crescendo e está cada vez mais difícil o licenciamento ambiental dos aproveitamentos hídricos economicamente viáveis; o consumo de energia, no Brasil, é de 1.930 kWh/hab, enquanto em países mais desenvolvidos varia de 7.000 a 12.000 kWh/hab (Japão, Inglaterra, EUA etc.), portanto, o país precisa de novas fontes de energia a um custo barato, com alta tecnologia para assegurar o seu crescimento industrial e o bem-estar da população; para isso, é necessário ampliar nossa capacidade energética, (atualmente 83.000 megabits) incluindo-se a área nuclear para um projeto de gestão de energia.

Em termos de capacidade energética, nossas reservas de petróleo não são muito grandes; temos reserva para assegurar o abastecimento apenas para os próximos 30 anos aproximadamente, mas ao analisarmos a matriz energética do Brasil, estamos numa situação classificada como boa, devido em grande parte à Petrobras, a qual fez e vem fazendo um magnífico trabalho, nesse segmento, através de investimentos tecnológicos, somados aos esforços de nossa marinha que contribuiu para o domínio do ciclo nuclear.

O Brasil possui o maior parque hidrelétrico do mundo e se fizermos nosso planejamento bem feito como, por exemplo, construir mais barragens para gerar energia, investir em tecnologias, completar as instalações das usinas nucleares (Angra dos Reis III) e fizermos também um bom aproveitamento de nossas matérias-primas, teremos energia suficiente para os próximos 100 anos.

Vale sublinhar que o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), proposto pelos Estados Unidos e pela ex-União Soviética, tem por objetivo evitar uma guerra nuclear e instaurar uma cooperação internacional para a utilização civil da energia nuclear. E está baseado na distinção entre as cinco potências nucleares (EUA, Rússia, França Reino Unido e China), que se comprometem em não transferir armas nucleares para ninguém, nem ajudar um país a adquiri-las.

Por sua vez, na década de 90, o Brasil renunciou a um programa militar secreto que poderia ter produzido urânio para bombas, mas o país firmou o TNP na qualidade de não-detentor de armas nucleares. Autoridades brasileiras já aceitaram abrir suas instalações a AIEA (International Atomic Energy Agency), mas ainda se discute qual será o grau de acesso dos inspetores à unidade de enriquecimento de urânio, em Resende (RJ), porque o governo alega que isso colocaria em risco seus segredos industriais.

Washington quer que o Brasil vá além de seus compromissos definidos no TNP e assine o chamado Protocolo Adicional, que permite inspeções mais intrusivas e sem prévio aviso por parte da AIEA. A maioria das autoridades americanas diz não temer que o Brasil ressuscite seu programa de armas nucleares e admite que o país tem motivos legítimos para manter suas conquistas tecnológicas sob sigilo. Mesmo assim, segundo uma fonte americana de primeiro escalão, o Brasil “é o único país entre os fornecedores nucleares que não assinou o Protocolo Adicional”. Tal Protocolo Adicional não deve ter maiores conseqüências para o Brasil, mas a adoção do Protocolo – por parte do Brasil – seria uma mensagem forte para o resto do mundo.
*. Acadêmicos do 2.º semestre de Relações Internacionais / Belas Artes, também presentes à Palestra do almirante, Othon da Silva.

Memorial diplomático

San Tiago Dantas: do integralismo
à Política Externa Independente

Introdução
Francisco Clementino de San Tiago Dantas nasceu no Rio de Janeiro no dia 30 de agosto de 1911. Filho do almirante Raul de San Tiago Dantas e de Violeta de Melo de San Tiago Dantas, foi casado com Edméia Carvalho Brandão. Advogado, jornalista e professor universitário, foi Deputado Federal por Minas Gerais (1959-1963), Ministro das Relações Exteriores (1961-1962) e Ministro da Fazenda (de 24 de janeiro a 20 de junho de 1963).

Nesta nota biográfica, tratar-se-á, ainda que de forma bastante sumária, de alguns dos principais aspectos relativos à trajetória de vida de San Tiago Dantas, apresentando informações sobre sua formação como advogado e suas atividades como Professor de Direito e político. De modo mais detido, serão analisados dois momentos fundamentais na biografia de San Tiago Dantas: sua participação no movimento integralista na década de 1930 e sua atuação à frente do Ministério das Relações Exteriores, entre os anos de 1961 e 1962.

Ao término do trabalho, encontra-se uma relação, ainda que incompleta, de obras sobre e da autoria de San Tiago Dantas. Desse modo, espera-se que estas breves linhas possam constituir uma pequena contribuição para o desenvolvimento de trabalho mais alentado sobre este que foi certamente um dos mais destacados Chanceleres brasileiros do século XX, que atuou de forma decisiva na definição dos rumos da política externa do país em um período crítico da História mundial e do Brasil, na primeira metade da década de 1960.

A Faculdade de Direito

Bacharel e Doutor em Direito pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro (1928-1932), foi Professor Catedrático de Legislação e Economia Política e de Instituições de Direito Civil Comercial na Universidade do Brasil e Professor de Direito Romano na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Atuando como advogado, conseguiu reunir uma fortuna apreciável, chegando mesmo a adquirir o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, o que lhe possibilitou veicular suas idéias com plena liberdade.

O integralismo

Uma das importantes passagens da trajetória política de San Tiago Dantas foi sua participação no movimento integralista, do qual foi um dos pioneiros.

Constituiu o integralismo um movimento político-ideológico de tendência nacionalista, autoritário, antiliberal, anticapitalista, anticomunista e anti-semita que atuou praticamente em todo o Brasil entre os anos de 1932 e 1937, sob a legenda da Ação Integralista Brasileira (AIB), partido político liderado nacionalmente por Plínio Salgado (1895-1975). (1)

Ainda jovem aluno da Faculdade de Direito, San Tiago Dantas fez parte do grupo de estudantes e intelectuais do Rio de Janeiro “com os quais Salgado estabeleceu contatos políticos após a Revolução de 30. Efetivamente, em 1931, Dantas fundou, com Plínio Salgado, o jornal A Razão, um dos berços do futuro movimento integralista. Também publicou artigos em Hierarchia e na Revista de Estudos Jurídicos e Sociais, periódicos de tendência fascista nos quais colaboraram diversos dos futuros líderes integralistas do Rio de Janeiro, como Hélio Vianna, Madeira de Freitas, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt e o próprio San Tiago Dantas. Foi muito possivelmente em decorrência de sua aproximação com esse grupo de estudantes e professores nacionalistas, a que se somava sua profunda religiosidade, que San Tiago optou pela adesão ao integralismo. Como afirma Hélgio Trindade:

“Em setembro de 1929, o Centro de Estudos Jurídicos [da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro] constitui uma comissão de alunos para realizar um inquérito sobre a sociologia brasileira, tendo como centro de interesse o ‘problema de formação da nacionalidade’. A comissão, formada por Américo Lacombe, presidente; Hélio Vianna, secretário; Santiago Dantas, relator; e Octavio de Faria, apresenta um relatório em maio de 1931, criticando a Revolução de 30 e elogiando as novas tendências políticas autoritárias e nacionalistas (…)” (2)

Assim, San Tiago Dantas inclui-se entre os jovens estudantes de Direito do Rio de Janeiro que criticaram as orientações impostas pelo grupo vitorioso em 1930 – que pôs fim à dominação oligárquica da República Velha -, mas que também rejeitaram a opção comunista, com a qual, embora compartilhassem o sentimento antiliberal e antiburguês, tinham profundas divergências no tocante à visão dos rumos a serem tomados pela revolução social no Brasil. Com efeito, enquanto os comunistas formulavam a crítica materialista do capitalismo, os integralistas envergavam a bandeira da crítica moral à exploração capitalista (3).

Adepto das tendências antiliberais e nacionalistas de direita, San Tiago Dantas integrou a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), fundada em 12 de março de 1932 e que constituiu “centro de reflexão ideológica de onde vai nascer o manifesto integralista de 1932 e a Ação Integralista Brasileira (AIB)” (4), sob a liderança nacional de Plínio Salgado. Na SEP, San Tiago Dantas ocupou a chefia do Setor de Religião, junto com Rui Barbosa de Campos, Sebastião Pagano e Plínio Correia de Oliveira (5).

Com a criação da AIB, San Tiago Dantas passou a militar em favor do movimento sobretudo através da apresentação de palestras e cursos voltados para a divulgação da doutrina dos camisas verdes, tendo ainda composto o Secretariado Nacional da AIB de junho de 1936 até a dissolução do partido, em dezembro de 1937.

Após o putsch integralista de 1938 contra Getúlio Vargas, já em pleno Estado Novo, e que resultou na prisão de diversas lideranças nacionais e regionais do movimento, San Tiago Dantas rompeu com Plínio Salgado, passando então a dedicar-se sobretudo à carreira acadêmica e ao exercício da advocacia.

Atuação Política e Administrativa pós-1945

Com o término do Estado Novo, em 1945, San Tiago Dantas assumiu importantes postos na Administração Pública Federal. Entre os anos de 1945 e 1946, compôs o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. De 1949 a 1958 foi Vice-Presidente da refinaria de petróleo de Manguinhos. Foi ainda assessor pessoal de Getúlio Vargas ao longo do seu segundo governo (1951-1954), colaborando na elaboração do anteprojeto de criação da PETROBRAS – apresentado ao Congresso Nacional em 1951 – e do projeto de criação da Rede Ferroviária Federal. Finalmente, San Tiago Dantas voltou a atuar politicamente no ano de 1955, filiando-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

De algum modo, o seu arraigado nacionalismo constituiu certamente um dos principais fatores que o motivaram a adotar, como Ministro das Relações Exteriores, a Política Externa Independente, iniciada no Governo Jânio Quadros (1961) e por ele posta em prática durante o Governo João Goulart (1961-1964).

SAN TIAGO DANTAS e a Política Exterior do Brasil

Eleito Deputado Federal pelo Estado de Minas Gerais, em outubro de 1958, San Tiago Dantas foi nomeado Embaixador do Brasil na ONU pelo então Presidente Jânio Quadros, no dia 22 de agosto de 1961. Para assumir esse posto, renunciou, no dia 24 de agosto, ao mandato de Deputado Federal. No entanto, não viria a assumir a Cadeira nas Nações Unidas, pois, como é sabido, Jânio renunciou à Presidência da República em 25 de agosto do mesmo ano.

A renúncia de Jânio deu origem a profunda crise política. Vetada a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência pelos ministros militares, foi instituído o regime parlamentarista de governo, visando restringir os poderes do Presidente. Goulart assumiu a presidência no dia 7 de setembro de 1961, nomeando Tancredo Neves, do Partido Social Democrático (PSD) para Primeiro-Ministro e San Tiago Dantas para o Ministério das Relações Exteriores.

Antes de comentar a importante atuação de San Tiago Dantas à frente do Ministério, vale ressaltar que a sua indicação para os principais postos da política externa brasileira, no início da década de 1960, certamente decorria de sua familiaridade com questões de política externa, pois, anteriormente ao ano de 1961, atuara nesse campo nos seguintes momentos: a) como representante do Brasil na Primeira Conferência de Ministros de Educação das Repúblicas Americanas (Panamá, 1943); b) como Conselheiro da Delegação Brasileira enviada à IV Reunião de Consulta dos Chanceleres Americanos (Washington, 1951); c) como membro do Comitê permanente de Arbitragem de Haia (1952); d) como Presidente da Comissão Interamericana de Jurisconsultos (Rio de Janeiro, 1955-1958). Além de haver ocupado essas significativas posições em organismos internacionais, San Tiago Dantas também publicou, entre 1957 e 1958, diversos editoriais do Jornal do Comércio – de sua propriedade – dedicados à análise da conjuntura internacional e colaborou na redação da Declaração de Santiago do Chile (1959), um dos mais importantes documentos do Sistema Interamericano (6).

Além disso, é possível ainda afirmar que foi em grande parte devido à sua excelente formação jurídica, larga experiência no campo das Relações Internacionais e ao seu arraigado nacionalismo – nutrido desde a juventude, durante sua militância integralista – que, ao longo de sua atuação como Ministro das Relações Exteriores, no período de 11 de setembro de 1961 a 25 de junho de 1962, San Tiago Dantas adotou como diretriz a denominada Política Externa Independente, da qual trataremos a seguir.

A Política Externa Independente

A Política Externa Independente foi iniciada durante a Presidência de Jânio Quadros, tendo à frente do Ministério das Relações Exteriores o intelectual e político mineiro, Afonso Arinos de Melo Franco. Ambos – Jânio e Afonso Arinos – eram políticos conservadores, vinculados à União Democrática Nacional (UDN), que reunia lideranças da direita em todo o país, à época.

Apesar de seu caráter conservador, no entanto, Jânio adotou uma política exterior ponderavelmente progressista, mantendo um discurso crítico em relação aos Estados Unidos e aproximando-se de lideranças dos países socialistas, como Cuba, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e outros países do Leste Europeu, além de haver apoiado a independência de Angola e Moçambique – distanciando-se assim de tradicional aliado conservador que era Portugal. Como explica um estudioso da política exterior do Brasil no período, geralmente “um governo conservador tem maior margem de manobra para promover uma alteração de rumos desse tipo” (7). Ao adotar essas e outras medidas, Jânio Quadros dava início à denominada Política Externa Independente – PEI, que teve como principais protagonistas os Chanceleres Afonso Arinos e San Tiago Dantas.

De acordo com Paulo Roberto de Almeida, a PEI constitui uma “espécie de parênteses inovador num continuum diplomático brasileiro dominado pelo conflito Leste-Oeste” (8), que desde o final da Segunda Guerra Mundial opunha países socialistas, sob a liderança da URSS – e capitalistas, sob a hegemonia dos EUA, ao qual o Brasil alinhava-se automaticamente desde 1945. Entretanto, após a Revolução Cubana (1959) e o início do processo de descolonização do continente africano, e sobretudo durante os Governos de Quadros e Goulart, a diplomacia brasileira reorienta sua atuação, passando a pensar a aliança preferencial com os Estados Unidos “mais em termos de vantagens econômicas a serem barganhadas do que em função do xadrez geopolítico da Guerra Fria” (9). Noutros termos, à dicotomia ideológica Leste-Oeste – entre socialistas e capitalistas – somava-se agora a oposição econômica Norte-Sul, entre países avançados e subdesenvolvidos, voltando-se a política exterior do Brasil primordialmente para a promoção do desenvolvimento econômico do país, independentemente da orientação ideológica dos seus eventuais parceiros comerciais.

De todo modo, os principais fundamentos da PEI eram os seguintes: a) promover exportações do Brasil para todos os países, inclusive os de orientação socialista; b) defender o Direito Internacional, sobretudo os princípios da autodeterminação dos povos e da não intervenção nos assuntos internos de outros países (aplicados sobretudo em relação à questão cubana); c) defesa do desarmamento e da coexistência pacífica nas relações internacionais; d) apoio ao processo de descolonização irrestrita dos territórios ainda submetidos; e) defesa da autonomia dos países para formular planos de desenvolvimento e solicitações de ajuda externa (10).

Ao tomar posse como Chanceler, no dia 11 de setembro de 1961, San Tiago Dantas deu continuidade à Política Externa Independente iniciada por Afonso Arinos durante o governo Jânio Quadros, pondo em prática os seus fundamentos acima indicados. Com efeito, segundo Vizentini, Dantas “dotou a PEI de um corpo teórico consistente e colocou-a em prática, pois Quadros pouco ultrapassara o nível do discurso” (11). Efetivamente, apesar da fraqueza do Governo João Goulart, permanentemente ameaçado pelas forças conservadoras do país, que suspeitavam de sua orientação ideológica, Dantas pôs em prática uma política externa realmente independente, reatando relações diplomáticas com a URSS e opondo-se à expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA), proposta pelos Estados Unidos durante a Segunda Conferência de Punta del Este (Uruguai), em janeiro de 1962. Na Conferência do Desarmamento, ocorrida em Genebra, no mês de março daquele mesmo ano, o então senador Afonso Arinos, substituindo San Tiago Dantas na chefia da delegação brasileira enviada à Conferência, afirmou a posição do Brasil como potência “não-alinhada”, contra as explosões atômicas e favorável à reconversão econômica, ou seja, ao emprego de recursos financeiros no desenvolvimento e bem-estar e não em armamentos (12).

Epílogo: o Golpe de 1964

San Tiago Dantas deixou o Ministério das Relações Exteriores no mês de junho de 1962, desincompatibilizando-se do cargo a fim de poder concorrer a um novo mandato de Deputado Federal. Com a renúncia de Tancredo Neves ao cargo de Primeiro Ministro naquele mesmo mês, João Goulart propôs ao Congresso que San Tiago Dantas o substituísse. No entanto, e apesar de ser apoiado pelos nacionalistas, pela ala esquerda do Parlamento e pelos sindicatos, as lideranças conservadoras, que a ele se opunham de longa data, por não concordarem com a política exterior por ele conduzida ao tempo da Chancelaria, vetaram a sua indicação para Primeiro Ministro. No pleito de outubro de 1962, porém, foi reeleito Deputado Federal.

Com o retorno ao regime presidencialista, após o plebiscito de janeiro de 1963, o Presidente João Goulart nomeou San Tiago Dantas Ministro da Fazenda, o qual se incumbiu de levar a efeito o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado pelo então Ministro do Planejamento Celso Furtado. Constituía o Plano Trienal uma proposta de austeridade econômica que previa a promoção de crescimento econômico de cerca de 7% ao ano e a redução da inflação para 10% em 1965. Enfrentando dificuldades para levar a efeito o Plano Trienal, Goulart depôs Celso Furtado e San Tiago Dantas de seus respectivas cargos, em junho de 1963.

San Tiago Dantas reassumiu então o seu mandato de Deputado Federal. Em janeiro de 1964, a pedido de João Goulart, e valendo-se de sua ponderável influência junto a diversos setores da esquerda moderada do país, San Tiago Dantas procurou formar um governo de frente única, a fim de evitar a deposição do presidente, que já vinha sendo articulada por militares, políticos e empresários. No entanto, a frente única não se formou e a vitória das forças conservadoras tornou-se iminente. Deflagrado o golpe militar, em 31 de março de 1964, San Tiago Dantas não teve seu mandato de Deputado Federal cassado. Faleceu no Rio de Janeiro seis meses depois, no dia 6 de setembro de 1964.

Obras sobre San Tiago Dantas

– COELHO, José Vieira et al. San Tiago: vinte anos depois.
Imprenta Rio de Janeiro: Paz e Terra/IEPES, 1985. 65 p.
(Coleção Debates, 1).

– LACOMBE, Américo Jacobina. San Tiago Dantas. Verbum. Rio de Janeiro: Universidade Católica, v. 21, n. 4, dez. 1964, p. 259-263.

– MOREIRA, Marcílio Marques. De Maquiavel a San Tiago: ensaios sobre política, educação e economia. Brasília, DF: Editora UnB, c. 1981. 170 p. (Cadernos da UnB).

Obras de San Tiago Dantas

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Conflito de vizinhança e sua composição. Rio de Janeiro: s. n., 1939. 352 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Rui Barbosa e o Código Civil. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1949. 85 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Problemas de Direito Positivo: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1953. 428 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Integralismo e as classes armadas. In: Enciclopédia Integralista. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1960. Volume IV, p. 59-64.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de et al. A preparação das elites integralistas. In: Enciclopédia Integralista. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1960. Volume IX, p. 149-159.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Discurso de posse do Senhor San Tiago Dantas como Ministro de Estado das Relações exteriores. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1961. 16 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Figuras do Direito. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. 144 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962. 258 p. (Retratos do Brasil, 13).

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Produtividade, aspecto institucional. Rio de Janeiro: Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Brasil, 1962. 27 p. (Cadernos de ciências sociais, 6).

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Idéias e rumos para a revolução brasileira: discurso na homenagem que lhe foi prestada como “Homem de visão de 1963”. Rio de Janeiro : Jose Olympio, 1963.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Programa de Direito Civil II: aulas proferidas na Faculdade Nacional de Direito (1943-1945): contratos. Rio de Janeiro: Rio, 1978. 378 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. D. Quixote: um apólogo da alma ocidental. Brasília, DF: UnB, 1979. 80 p. (Cadernos da UnB).

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Programa de Direito Civil I: aulas proferidas na faculdade nacional de direito (1942-1945): parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1979. 406 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Programas de Direito Civil III: direito das coisas. Rio de Janeiro: Rio, 1979. 464 p.

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Discursos parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1983. 704 p. (Perfis parlamentares, 21).

– SAN TIAGO DANTAS, Francisco Clementino de. Um seminário na Universidade de Brasília. Brasília, DF: Editora UnB, c. 1985. 81 p. (Coleção Itinerários).

Notas:
(1). Há que ressaltar, no entanto, que o movimento integralista continuou atuando mesmo após o fechamento da AIB. Após o Estado Novo, por exemplo, organizaram-se os integralistas sob a legenda do Partido de Representação Popular (PRP). Da considerável bibliografia que aborda o integralismo como objeto de estudo, cabe destacar a obra pioneira e bastante completa do cientista político Hélgio Trindade. Cf. TRINDADE, 1974. Análise da atuação da AIB em uma região específica encontra-se em CALDEIRA, 1999.
(2). TRINDADE, op. cit., p. 109.
(3). Para um melhor entendimento sobre o caráter espiritualista da ideologia integralista, ver, por exemplo, ARAÚJO, 1988.
(4). TRINDADE, op. cit., p. 124.
(5). Id., ibid., p. 127.
(6). Cf. Carreiras do Serviço Exterior. San Tiago Dantas. Disponível em http://www.mre.gov.br/portugues/ministerio/carreiras_ext/personalidades_diplomatas/san.asp Acesso em 02/07/2004.
(7). VIZENTINI, 2003, p. 23.
(8). ALMEIDA, 1999, p. 58.
(9). Id., ibid., p. 59.
(10). VIZENTINI, op. cit., p. 23.
(11). Id., ibid., p. 26.
(12). Ótima análise da atuação de San Tiago Dantas à frente do Ministério das Relações Exteriores encontra-se em BUENO e CERVO, 1992, p. 294-315.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

– ALMEIDA, Paulo Roberto de. O estudo das Relações Internacionais do Brasil. São Paulo: Unimarco Editora, 1999. 304 p.

– ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Totalitarismo e revolução: o integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1988. 116 p.

– BUENO, Clodoaldo e CERVO, Amado Luiz. História da Política Exterior do Brasil. São Paulo: Ática, 1992. 432 p. (Série Fundamentos, 81).

– CALDEIRA, João Ricardo de Castro. Integralismo e política regional: a ação integralista no Maranhão (1933-1937). São Paulo: Annablume, 1999. 135 p.

– TRINDADE, Hélgio. Integralismo (o fascismo brasileiro na década de 30). São Paulo/Porto Alegre, RS: DIFEL/URGS, 1974. 388 p. (Corpo e alma do Brasil, 40).

– VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. 120 p. (História do povo brasileiro).

João Ricardo de Castro Caldeira
Doutor em História Social pela USP. É docente no Curso de Relações Internacionais / Belas Artes.

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